A emigração portuguesa, o Natal e John Kennedy
Este é um bom momento para reorganizar algumas das ideias que temos sobre a “nova” emigração portuguesa.
Com o novo e maciço fluxo migratório, a que Portugal assiste nos últimos anos, o regresso a casa por altura do Natal é um período mágico para ainda mais famílias. Este é igualmente um bom momento para reorganizar algumas das ideias que temos sobre a “nova” emigração portuguesa.
A saber: i) a “nova” emigração não substituiu a “velha” emigração, mas somou-se a esta tomando como suas algumas das tradicionais características da emigração portuguesa (e.g. invisibilidade social nos países de destino; dificuldades de integração; elevado insucesso escolar dos jovens; integração maioritária em profissões menos qualificadas; concentração em alguns destinos tradicionais, etc.); ii) a “nova” emigração não é constituída maioritariamente por “jovens” altamente qualificados. A emigração é um espelho da população do país e, se é certo que emigram muitos jovens diplomados com elevadas qualificações e alguns menos jovens com um perfil idêntico, a maioria não corresponde a este perfil. Os “portugueses no mundo” raramente nos mostram os casos de portugueses pouco ou nada qualificados, mas a emigração portuguesa é, ainda, muito próxima da mostrada na “gaiola dourada” e o perfil de uma larga maioria de emigrantes (com poucas qualificações académicas) não mudou; iii) o recente fluxo migratório de portugueses continua a ter como destino muitos dos países tradicionais da emigração (e.g. França, Luxemburgo, Suíça; EUA, Brasil, Alemanha, Inglaterra, África do Sul, etc.) e a estes somou outros destinos que se afirmam como muito significativos (e.g. Reino Unido, Irlanda, Angola, Moçambique, Emirados Árabes Unidos, etc.) numa dinâmica muito interessante de, assumindo o trabalho como um bem transaccionável, procurar as oportunidades onde elas existem; iv) muitos dos portugueses que emigram retornam ao país. As estatísticas disponíveis mostram um número muito significativo de retorno de gerações mais velhas e um retorno significativo dos emigrantes mais recentes. Isto não significa que a emigração seja temporária ou que o retorno seja permanente. Depende sobretudo dos desafios, das oportunidades e das condições de vida que os que retornam encontram nos locais para onde voltam. Oportunidades ligadas às questões básicas (e.g. habitação, saúde, trabalho, educação) são as que mais influem no retorno e na permanência; v) os factores que impulsionam a “nova” emigração não são conjunturais mas sim estruturais. As causas da emigração são complexas mas têm que ver, em primeiro lugar, com a incapacidade que o país teve (tem) de se preparar para a contemporaneidade e para a competitividade de um mundo sem proteccionismos nacionais. A educação básica e secundária é ineficaz face aos desafios de quem não pretende seguir para o ensino superior. O ensino para o empreendedorismo, para a criatividade ou para profissões com elevado valor acrescentado é diminuto e nunca foi uma prioridade. A meritocracia rareia na maioria das profissões e está (quase) totalmente ausente das profissões ligadas ao Estado. O desequilíbrio de desenvolvimento entre as regiões do país obriga a uma escolha que se tornou intergeracional: migrar para o litoral (ou para o continente no caso dos portugueses insulares) ou emigrar. Não é tanto o “se” é mais o “quando” que se coloca nas opções de cada um (e de cada uma) dos habitantes de muitas regiões portuguesas; vi) o país não se preparou para receber no seu seio as gerações qualificadas e altamente qualificadas que ajudou a educar. Aumentaram os doutorados, os licenciados, as especializações profissionais, mas a indústria e os serviços pouco apostaram na investigação, no design, na criatividade ou na mudança do modelo de gestão ou dos padrões produtivos. Os sectores que o fizeram, como o turismo ou o calçado, recolhem já o retorno desse investimento, mas o país como um todo está muito aquém do potencial de realização dos recursos existentes. As incubadoras de empresas espalhadas pelo país são criativas, de excelência, competitivas, mas os resultados deste esforço é muitas vezes bloqueado pela burocracia, pelo (escasso e difícil) acesso ao capital de investimento, pelo calvário que constitui o licenciamento industrial. As universidades/politécnicos não encontraram ainda interlocutores que potenciem a sua capacidade instalada para o ensino e investigação. As empresas, sobretudo as de pequena e média dimensão, não encontraram ainda os parceiros de que precisam para se reinventarem; vii) quem trabalha ou contacta com a diáspora portuguesa ou com os profissionais portugueses expatriados fica, muitas vezes, surpreendido com a falta de ligação entre estes e o país de origem. Das dezenas de milhares de empresas “portuguesas” em França, no Luxemburgo, na Suíça ou em Inglaterra, só um ínfimo número tem parceiros de negócio em Portugal. Dos milhares de profissionais altamente qualificados portugueses no estrangeiro só uma minoria mantém contacto com os seus colegas no país. O potencial existente é gigantesco para a importação/exportação de produtos, bens ou serviços nacionais mas a sua ativação depende de algo mais do que um artigo num jornal; viii) todos (e cada um) dos nossos emigrantes e expatriados são parte de nós que fica por cumprir no Portugal de todos. Importa que cada um assuma a sua responsabilidade no repatriar destes recursos.
Estou a pensar no poder local e na sua responsabilidade com os conterrâneos portugueses que vivem no exterior, criando oportunidades (e.g. económicas, fiscais, de habitação, de educação) para o seu regresso.
Estou a pensar no Estado com a criação de um plano estratégico para as migrações que possa planificar o futuro e da alocação de recursos financeiros que permitam activar este investimento. Um plano integrado que veja nas migrações um terreno fértil para um modelo de governação integrada que supere os constrangimentos de um problema social complexo.
Estou a pensar nas empresas que têm de estar abertas e disponíveis para a inovação, para a criatividade, para a investigação.
Estou a pensar nas universidades e centros de investigação que têm de acabar com a endogamia institucional e recrutar os melhores não importa onde eles estejam.
Retorno à origem para, citando John Kennedy, pedir que a nossa prenda de Natal colectiva seja não o de não perguntarmos o que o país pode fazer por nós, mas o que (cada um) de nós pode fazer pelo país. Para os que agora regressam, para os que por cá estão, votos de um Feliz Natal.
Professor da Universidade do Porto e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra