Uma tragédia que pode deixar mais próxima a paz na região
“A sensação de choque no Paquistão não tem precedentes” e muitos paquistaneses vão exigir às chefias militares que deixem de ter os seus preferidos entre os extremistas.
O Movimento dos Taliban do Paquistão (MTP) tem atacado essencialmente no Paquistão – até agora, só surgiu ligado a um plano internacional, a tentativa de fazer explodir uma bomba em Times Square, em 2010. Nascido em 2006, lançou vários ataques para lá das regiões tribais na fronteira com o Afeganistão, onde está instalado. Em Junho, o Exército paquistanês iniciou uma ofensiva contra os seus membros no seu principal bastião, o Waziristão do Norte, que fez entre 1600 e 1800 mortos. O grupo, que já enfrentava divisões internas, separou-se em várias facções, com algumas a encontrarem refúgio no Afeganistão.
“Qualquer grupo que usar o território do Paquistão para terrorismo será eliminado”, afirmou o ministro da Defesa, Khawaja Asif, no início da operação contra o MTP, provocando com isso a ira de afegãos e indianos. Nos últimos meses, com sinais de melhorias nas relações entre Cabul e Islamabad, os membros do MTP viram-se sob ataque também do lado afegão da fronteira.
Mas as desconfianças entre os países da região continuam, com os paquistaneses a acusarem Cabul de proteger o mullah Fazlullah, líder do MTP, e alguns em Islamabad convencidos que a Índia apoia os taliban paquistaneses. Nova Deli, por seu turno, acredita que o Paquistão protege os grupos que atacam alvos na Índia.
“Estes níveis tóxicos de suspeição tornam difícil qualquer tentativa de melhoria de relações entre os três países. E na região, poucos acreditam que a retirada das tropas de combate dos Estados Unidos do Afeganistão ajude”, escreve no Guardian Jason Burke, jornalista que passou anos a investigar a Al-Qaeda e os taliban.
Num texto publicado a semana passada no site da BBC, o veterano especialista nos taliban, Ahmed Rashid, perguntava-se de “depois de anos de falsos começos”, estaríamos “à beira de um avanço real nas relações entre o Paquistão e o Afeganistão”.
Enumerando uma série de operações dos EUA contra taliban paquistaneses, incluindo o ataque com um drone no início do mês para tentar matar Fazlullah, Rashid notava que estes só terão sido possíveis com a concordância de Cabul. Com outros exemplos, descrevia um “nível de cooperação entre os EUA e o Paquistão a que não assistíamos desde 2002-2004, quando o Exército paquistanês matou ou capturou muitos operacionais da Al-Qaeda”.
O analista paquistanês Abdul Agha não tem dúvidas em responsabilizar o Exército paquistanês pela contínua ameaça do MTP: “Eles continuam a apoiar vários grupos, querem eliminar uns e preservar outros para o futuro”, comentou esta terça-feira, ouvido pela emissora alemã Deutsche Welle. Ora, como os grupos não são estáticos e muitos mudam frequentemente de alianças esse apoio pode virar-se contra o Paquistão.
Para Agha, os líderes militares do seu país querem usar alguns extremistas para garantir que, depois da retirada dos EUA e da NATO, Islamabad recupera a influência que tinha no Afeganistão antes do 11 de Setembro e do derrube dos taliban, pró-paquistaneses, do poder em Cabul, no fim de 2001.
Omar Hamid, que coordena o grupo de Países em Risco na Ásia Pacífico da empresa de análise de segurança IHS, de Londres, acredita que Islamabad vai exigir agora mais acções contra a liderança do MTP em troca do seu apoio a negociações de paz com os taliban afegãos, destinadas ao fracasso sem pressão das chefias militares paquistanesas.
“O Governo afegão vai estar à espera para ver como é que o Exército do Paquistão ajuda Cabul. Os afegãos vão querer ver como é que os paquistaneses usam o seu poder para travar ataques em Cabul”, escrevia, antes do atentado em Peshawar, Ahmed Rashid. “O mais importante que Islamabad pode fazer é permitir aos negociadores que se encontrem com os líderes taliban afegãos que vivem no Paquistão. Essa pode ser a medida mais importante de todas e o início do longo processo para pôr fim à guerra no Afeganistão.”
Será preciso esperar algum tempo para perceber o efeito deste ataque. Por um lado, agora parece difícil para qualquer líder paquistanês, político ou militar, defender conversações com os extremistas. Por outro, como nota M. Ilyas Khan, correspondente da BBC em Islamabad, “a sensação de choque no Paquistão não tem precedentes” e “muitos questionam-se se o país vai finalmente perder a paciência com os militantes que mataram milhares ao longo dos anos”.
Descrevendo o ataque do MTP como “uma tentativa desesperada de regresso por parte de militantes que estão sob ameaça”, M Ilyas Khan diz que o atentado contra a escola de Peshawar “abalou a nação e pode bem provocar exigências mais ruidosas para que o Exército deixe de proteger os seus preferidos entre os extremistas, se é que ainda os tem”.