A minha sobrinha está longe, não a posso ver. Está mais ou menos a dois mil quilómetros de distância e, agora que começa a falar, não a posso ouvir. A minha sobrinha está longe e, agora que começa a andar, não a posso acompanhar a dar um passo, e depois dois, a saltar por cima da vida e a vencer, de vez em quando, os obstáculos que a mesma nos põe. A minha sobrinha está longe do tio e está longe da tia por razões tão óbvias que escuso de explanar.
A minha sobrinha está longe, e por estar longe não poderei vê-la crescer todos os dias, sorrir todos os dias, chorar todos os dias, brincar todos os dias, e todos os dias viver todos os dias ao lado da minha sobrinha. Mas não é só a minha sobrinha que está longe: os meus tios também estão. Os meus tios estão longe, tão longe que deles só sei o nome e às vezes nem isso. Os meus tios estão longe, mas não tão longe que não consiga andar a pé até ao pé deles nas fotografias que a minha mãe tem na sala.
A minha mãe está sempre a falar dos meus tios, mas eles estão tão longe que às vezes a minha mãe não quer falar deles. Eu tenho um tio e uma tia. O meu tio vive ao pé de uma rainha e a minha tia tem um avião e eu, que sou uma princesa, um dia serei rainha e terei um avião só para mim, tal como a minha tia, para poder abrir as asas e voar.
A minha sobrinha está longe. Mas não tão longe assim. Agora que começa a falar e a encher-se de graça conto os dias para o Natal, e depois do Natal o Verão, os castelos na areia, os baldes, as pás mais os mergulhos e os pirolitos engolidos na sofreguidão do sol, do sal e do mar. E a minha sobrinha sabe disso nos riscos traçados na parede e nas redes sociais a cada cinco dias que passam para a chegada do Pai Natal.
O fato vermelho da coca-cola
Ao que parece saiu-me a fava este ano, de modos que já comprei uma farta barba branca mais o fato vermelho da coca-cola: já só me falta o saco, porque as prendas já cá cantam. O problema é a barriga, que insiste em crescer à medida da idade e da cerveja, mais a chaminé, agora convertida num moderno exaustor... Dentro em breve estarei com a minha sobrinha. Agora que já não há fraldas, podemos falar, podemos contar histórias e fazer histórias, podemos falar da vida das rainhas e dos aviões e, juntos, preparar o futuro.
A educação, mais do que a transmissão de valores, consiste na formação do indivíduo para o desempenho de um papel preponderante na sociedade. Não convém ter ilusões, não convém criar ilusões. Sonhar sim, mas com os pés bem assentes no chão. E podes passar por privações, sim, e a vida pode não ser fácil, não, mas com educação, sobrinha minha, com educação "they will never see us coming".