Dois anos depois, o salvador do México é um Presidente em apuros

Dois anos depois da posse, o Presidente do México enfrenta uma crise política e de confiança, resultado da violência do narcotráfico e da percepção pública da impunidade dos corruptos.

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Manifestantes exigem a demissão do Presidente num protesto que marcou o segundo aniversário do Governo Carlos Jasso/Reuters

Ao mesmo tempo, nas ruas das principais cidades do país, milhares de pessoas marchavam contra o Governo e o Presidente, exigindo o fim da impunidade para os corruptos e da violência que transformou o dia-a-dia dos mexicanos num jogo de roleta russa. “Acorda México”, gritaram os manifestantes, que criticaram as palavras de Peña Nieto sobre a tragédia e duvidaram da sua solidariedade com a família dos estudantes da chamada escola normal de Ayotzinapa, desaparecidos na localidade de Iguala em Setembro.

Oito das 14 iniciativas que foram anunciadas pelo Presidente – primeiro directamente ao país, numa declaração televisiva solene, e dias depois no Congresso – exigem um consenso político alargado para a aprovação de mudanças constitucionais. Peña Nieto conta com o respaldo do seu Partido Revolucionário Institucional (PRI), que compõe a maioria parlamentar. E conta também com uma relativa boa vontade da oposição, que entre críticas e lamentos ficou sem margem de manobra para rejeitar iniciativas políticas que digam respeito ao combate à violência ou à corrupção.

Contudo, na rua o ambiente é bem menos favorável ao Presidente mexicano. Dois anos depois da posse, Peña Nieto regista a mais baixa taxa de aprovação do seu mandato, e enfrenta uma crise política e institucional, de perda de confiança e de credibilidade. O plano em dez pontos que apresentou ao país – e cuja tónica é a reforma do sistema judicial e a reorganização do aparelho de segurança (através da extinção das 1800 unidades de polícia municipais e o reforço de meios e competências das forças estaduais) – foi a primeira tentativa de recuperar a iniciativa política depois do caso de Iguala. “O México tem de mudar”, declarou.

Os títulos dos jornais, na data do aniversário, reflectiam a “desilusão” popular com o mandato do Presidente, e também o “fracasso” das suas políticas. Longe, muito longe, vão os tempos em que, após ser eleito, a revista Time lhe deu uma capa com o título "Saving Mexico" ("Salvando o México").

Sondagens publicadas na segunda-feira pelos três principais diários mexicanos mostram que só em 1995, num contexto de acentuada crise económica, o então Presidente Ernesto Zedillo foi tão contestado pela opinião pública. E mostram também uma forte causalidade entre a queda da popularidade de Peña Nieto e os acontecimentos de Iguala: nos últimos quatro meses, a sua taxa de aprovação caiu de 50% para 39%, e de Agosto para agora a desaprovação subiu de 46% para 58%.

Para 81% dos inquiridos para o jornal Reforma, o trabalho do Presidente para combater a violência é “mau ou péssimo”, e os seus esforços para erradicar a corrupção merecem a mesma avaliação para 72%. Na sondagem publicada pelo El Universal, 52% dizem que o país vai pelo mau caminho, e 54% consideram que o Governo atravessa o seu pior momento desde a entrada em funções. E no inquérito do Excelsior, os 60% em “desacordo” com a governação de Peña Nieto justificavam o seu descontentamento com a “persistência dos problemas económicos, a insegurança e a violência”.

A maior parte dos problemas políticos de Peña Nieto foram semeados por ele próprio. Na campanha eleitoral de 2012, o jovem e promissor político do PRI, que dera nas vistas como governador do estado do México, onde se situa a capital, posicionou-se como um “renovador” e “reformador”. Ele era não só o rosto da renovação do PRI, o partido que dominara a política mexicana durante todo o século XX (desde a revolução de 1929 até ao ano 2000) e que os eleitores associavam a corrupção, nepotismo, prepotência e autoritarismo; como o candidato que prometia políticas de “bom senso” para a estabilidade e desenvolvimento económico do país, e para a transparência e combate à violência do narcotráfico.

Mas o seu Governo não conseguiu pôr travão ao terror dos cartéis da droga (os impressionantes números da violência no México apontam para uma média diária de 63 homicídios, 20 desaparecimentos e cinco sequestros), nem limpou a máquina pública da corrupção. E o “homem novo” do PRI não se livrou da sombra do favorecimento e nepotismo: no mês passado, o Presidente foi obrigado a explicar que a luxuosa mansão conhecida como a “casa branca” não lhe foi oferecida por um importante empreiteiro que assinou inúmeros projectos de obras públicas durante os mandatos de Peña Nieto, mas foi emprestada pela cadeia televisa à sua mulher Angélica Rivera, uma famosa actriz de telenovelas.

Num debate online, promovido pelo portal Animal Político, sobre os dois anos de mandato de Peña Nieto, e o pacote legislativo que o Presidente enviou ao Congresso no dia do aniversário, as opiniões foram maioritariamente negativas: houve quem nomeasse os falhanços políticos, quem lamentasse a postura arrogante e incapaz de autocrítica do chefe de Estado e ainda quem refreasse a “atitude triunfal” do Governo no cumprimento das suas promessas eleitorais.

A senadora de oposição Gabriela Cuevas, do PAN dos ex-Presidentes Vicente Fox e Felipe Calderón, lamentou que o Presidente tenha demorado dois anos a “dar-se conta do estado preocupante que o país vive em termos de segurança” – e que tenha ido ao Congresso pedir a aprovação de medidas que “mesquinhamente rejeitou quando o seu partido era oposição”. “Antes de enviar temas reciclados ao Congresso, o executivo deveria começar por aplicar as leis vigentes e implementar programas, políticas e acções que permitam dar resposta imediata a estes problemas. O Presidente deveria explicar como pretende combater a corrupção ou como se vão investigar e castigar os desaparecimentos, sequestros e homicídios ocorridos nos últimos 24 meses”, atacou.

Mas também houve quem assinalasse os sucessos de Peña Nieto, que logrou aprovar várias reformas económicas, com destaque para o novo regime de funcionamento do sector energético, que permitiu a abertura das indústrias eléctrica e petrolífera ao investimento privado nacional e estrangeiro, com um imediato impacto nas contas do país.

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