Caso Sócrates impõe renovação no PS

Secretariado não deverá incluir nenhum dirigente que tenha sido apoiante de primeira linha do ex-primeiro-ministro. Carlos César será o presidente socialista com funções de porta-voz.

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O congresso decorre na FIL, no Parque das Nações, em Lisboa Daniel Rocha
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Carlos César e António Costa Daniel Rocha
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O secretariado, órgão executivo de direcção socialista, não deverá assim incluir nenhum dirigente que possa ser considerado como um apoiante de primeira linha de José Sócrates, o ex-secretário-geral e ex-primeiro-ministro do PS, que está em prisão preventiva, sob suspeita de prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Certo é que Carlos César será o número dois do partido, sendo eleito já na manhã de sábado – antes da abertura formal do congresso – como presidente do PS. Este cargo deverá passar a ter um perfil mais executivo e interventivo, passando César a desempenhar as funções de representação e de porta-voz do partido, uma vez que António Costa se manterá na Câmara de Lisboa.

César terá também assento no secretariado e na comissão política, embora sem direito a voto. A outra inerência no secretariado será do líder parlamentar, Eduardo Ferro Rodrigues. Eleitos para o secretariado deverão ser João Tiago Silveira, Fernando Rocha Andrade, Fernando Medina, Manuel Pizarro (se deixar a liderança concelhia do Porto) e Graça Fonseca.

Alguns dos próximos de António Costa não integrarão o secretariado por imposição estatutária que proíbe que os dirigentes locais aí se sentem. Nessa situação estão presidentes das federações como Ana Catarina Mendes, Marcos Perestrello e Pedro Nuno Santos, assim como o líder da concelhia de Lisboa, Duarte Cordeiro.

Quanto aos seguristas nos órgãos executivos, parece fechado que Jorge Seguro Sanches e Jamila Madeira se sentarão no secretariado. Há ainda seguristas que deverão aparecer neste órgão ou na comissão política, como Álvaro Beleza e Eurico Brilhante Dias. Francisco Assis deverá ser um dos nomes dos seguristas na comissão política.

No PS há quem admita que muitos dos dirigentes mais conhecidos como apoiantes de José Sócrates tenham tido a iniciativa de se deixar ficar de fora da direcção por receio de que a sua presença nos órgãos possa ser vista como uma contaminação da liderança de António Costa. Outro critério para a constituição da nova direcção, nomeadamente do secretariado, é o de que este órgão executivo não repita nomes da direcção parlamentar, a não ser, claro, o do chefe da bancada.

Era já intenção de António Costa não povoar a sua direcção, nomeadamente o seu órgão executivo, o secretariado, com rostos que colassem a sua liderança ao que foram os Governos de Sócrates. O motivo era claro: a necessidade de se demarcar do passado e afirmar um projecto próprio que surgisse como alternativa à governação do PSD/CDS. Embora, o próprio António Costa tenha sido, entre 2005 e 2007, ministro da Administração Interna de José Sócrates na primeira maioria absoluta conseguida pelo PS, tendo-se demitido do Governo em 2007 para se candidatar à Câmara de Lisboa.

Sombra de Sócrates
O congresso está a ser preparado ao milímetro na tentativa de evitar que a prisão preventiva de Sócrates ensombre a consagração de António Costa. A tentativa de controlo de riscos levará a que todos os intervenientes no congresso que constituem a equipa de António Costa se preparem para manter a linha discursiva que o secretário-geral adoptou logo no sábado passado, ao enviar um SMS a todos os militantes no qual separava os “sentimentos de solidariedade e amizade pessoais” e aquilo que é a “acção política do PS”.

Um desejo de separação entre o “caso Sócrates” e o PS que foi também reafirmado pelo próprio ex-primeiro-ministro na mensagem, divulgada pelo PÚBLICO, que enviou da prisão através do seu advogado, João Araújo. “Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia”, frisou Sócrates.

A tentativa passará pela forma como está previsto que os trabalhos decorram. E é expectável que a linha discursiva da separação do PS do “caso Sócrates” surja já na manhã deste sábado nos principais discursos. Ou seja, depois de Maria de Belém Roseira, presidente cessante, abrir o congresso com uma saudação, falará Joaquim Raposo, presidente da comissão de organização. É então a vez de discursar Fernando Medina, na qualidade de vice-presidente da Câmara de Lisboa. Depois falará Marcos Perestrello, presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa. Por fim, Carlos César, na qualidade de presidente do PS. Ainda de manhã será debatida e aprovada a proposta de alteração de estatutos, que será apresentada por Jorge Lacão. Só ao fim da manhã, António Costa fará a apresentação da sua moção.

Com a votação da moção de estratégia global prevista para as 23h de sábado, fica para a tarde e para o período da noite antes das votações o espaço para debate da moção e para as intervenções livres. Mas mesmo esse momento deverá ser povoado de intervenções que, no caso de abordarem a situação de José Sócrates, o farão dentro da linha do SMS de António Costa.

Além disso, está prevista a intervenção, pela primeira vez, de personalidades que não são militantes. Como o PÚBLICO noticiou, vão intervir no congresso o ex-reitor da Universidade de Lisboa António Sampaio da Nóvoa, o constitucionalista Jorge Reis Novais, a ex-presidente do Porto de Sines Lídia Sequeira, a geneticista molecular Raquel Seruca, a jovem empresária Mariana Duarte Silva e a ex-secretária de Estado da Reforma Administrativa Maria Manuel Leitão Marques, que coordenou a Agenda para a Década.

Afirmar alternativa
O novo secretário-geral pretende que o congresso seja um momento de afirmação do PS e de construção de uma alternativa de Governo. E procurará manter a intenção que tinha de fazer do conclave o momento de lançamento da discussão sobre a estratégia socialista para conquistar e exercer a governação do país, bem como o arranque do debate sobre o que virá a ser o programa eleitoral do partido.

Para isso, António Costa centrará o seu discurso de apresentação da moção nas principais linhas de orientação do que pretende que venha a ser essa governação e que estão plasmadas na Agenda para a Década. Já no encerramento, como é tradicional nos congressos partidários, o discurso será feito para fora, com a crítica ao Governo da coligação PSD/CDS.

Com a noção de que não pode ser decretado um autismo geral e que a prisão de Sócrates estará presente na sala, é previsível que os temas dominantes sejam o combate à estratégia de empobrecimento, que o PS considera que o actual Governo tem levado a cabo, a busca de uma alternativa de política de recuperação económica e o futuro da União Europeia. Também a estratégia de coligações e acordos a adoptar pelo PS em relação às eleições de 2015 deverá ser abordada por dirigentes e delegados no palco da Feira Internacional de Lisboa. Tal como a escolha de um candidato presidencial de esquerda a apoiar pelo PS, no caso de António Guterres não aceitar a missão.

A preocupação com a estratégia do partido levou até a preparar o pós-congresso. O PS já reservou uma interpelação ao Governo sobre “Combate à pobreza e promoção da igualdade de oportunidades”, marcado para 3 de Dezembro na Assembleia da República, para que o partido, já com uma nova direcção completa e com uma estratégia aprovada em congresso, confronte o Governo com o modelo adoptado pela coligação PSD-CDS e comece a apresentar uma alternativa. A afirmação dessa nova linha prosseguirá no debate quinzenal de 12 de Dezembro

A apresentação da alternativa às políticas do Governo será prosseguida no que toca à dívida pública no debate que se realizará em plenário no dia 19 de Dezembro, bem como na audição pública que o antecede a 16 de Dezembro, iniciativas que são o sucedâneo autorizado pelo PSD e pelo CDS da proposta inicial dos socialistas de um grande debate público sobre o assunto.

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