Práticas e procedimentos da família Espírito Santo vistos à lupa
A investigação poderá incidir também sobre os temas que o Banco de Portugal quer ver esclarecidos.
A bancarrota do antigo BES aconteceu depois de se verificar que o banco tinha uma fortíssima exposição financeira a várias empresas do Grupo Espírito Santo (GES) e ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), todos a atravessarem situações muito delicadas.
Para além de acumularem passivos monumentais, as empresas da holding familiar eram, em alguns casos, acusadas de práticas contabilísticas que visaram esconder prejuízos e dívida. Em Julho, cerca de um mês antes da intervenção pública, o banco assumia ter uma exposição ao GES que totalizava 1200 milhões de euros, a que se somavam os quase 900 milhões de euros de dívida de empresas do GES que tinha colocado junto de clientes do retalho e os cerca de 2000 milhões que tinham sido vendidos a clientes institucionais.
No caso do banco que o ex-BES controlava em Angola, o problema tinha outra dimensão: os mais de 3000 milhões de euros de crédito que tinha sido concedido e cuja recuperação era considerada muito problemática.
Quando o Banco de Portugal assumiu a intervenção pública no BES, a instituição acabara de revelar prejuízos de cerca de 3600 milhões de euros no primeiro semestre. Este resultado desastroso foi determinado pela exposição do BES ao Grupo Espírito Santo e ao BES Angola, que obrigou à constituição de provisões para perdas futuras de mais de 4300 milhões de euros.
Na sequência deste descalabro que chegou a ameaçar risco para o sistema, as autoridades de supervisão começaram a investigar as práticas que acabaram por conduzir ao desaparecimento de uma marca bancária histórica em Portugal. Do lado da CMVM, este trabalho incidiu sobre a gestão das carteiras dos clientes e possíveis irregularidades associadas. A investigação em curso visará encontrar o rasto de emissões de dívida que suscitaram dúvidas quanto à legalidade dos procedimentos junto da comissão e que geraram mais-valias que não se sabe onde ficaram.
Na comissão parlamentar de inquérito ao BES, o presidente da CMVM, Carlos Tavares, referiu-se a elas, tendo afirmado que se tratava de operações muito complexas. Os técnicos da entidade, que acompanharam as buscas realizadas ontem, terão tentado procurar respostas para emissões de dívida do GES e também do BES de longo prazo que, ao contrário das obrigações normais, eram posteriormente vendidas a entidades terceiras, neste caso através da Eurofin, uma consultora que há década e meia apoiava a família Espírito Santo nas suas transacções e na gestão das sociedades que controlava.
Tavares referiu que estas emissões eram de muito longo prazo, às vezes de 40 anos, e tinham um preço de emissão muito baixo. Eram colocadas pela Eurofin noutras sociedades, que a partir delas emitiam acções preferenciais que acabariam por ser vendidas a clientes. Como o rendimento destas obrigações eram superior ao valor pago aos clientes, o GES e/ou o BES ficavam com a diferença.
A investigação poderá incidir também sobre os temas que o Banco de Portugal quer ver esclarecidos, nomeadamente, se o banco cumpriu as suas obrigações na avaliação de risco do papel comercial de empresas do GES que vendeu aos seus balcões e que, entre clientes institucionais e particulares, chegava perto dos 3000 milhões de euros à data da intervenção no BES. Muitos clientes pensaram que estavam a adquirir títulos de dívida do banco, quando se tratava de empresas cuja saúde financeira era muito débil.
Na audição perante os deputados da Assembleia da República, o governador do Banco de Portugal lembrou que a instituição já instaurou diversos processos sancionatórios aos responsáveis do BES, embora se encontrem em segredo de justiça. Mesmo assim, Carlos Costa confirmou que um deles tem a ver com as relações do banco com o BESA, que aponta para a possibilidade de “risco de branqueamento de capitais”.
A autoridade de supervisão do sistema bancário quer também verificar até que ponto o BES cumpriu as recomendações que impunham limites na exposição do banco a empresas do universo do GES, quando se tornou evidente que a situação financeira de empresas como a ESI, a Rioforte ou a Espírito Santo Financial Group (que era aquela que controlava a participação no banco) podia determinar a sua falência, como veio a acontecer.
A Portugal Telecom foi outra das empresas que sofreram com a derrocada do universo GES, por causa dos empréstimos de cerca de 900 milhões de euros que concedeu à Rioforte e que esta não conseguiu pagar. Este buraco acabou por ter consequências no desenho da operação de fusão com a Oi, tendo a participação portuguesa na nova operadora caído para cerca de 25%, em vez dos 36% previstos.