Temos muita sorte
O dr. Cavaco acha que não há uma crise política na República e que tudo corre normalmente. O primeiro-ministro Passos Coelho concorda com ele. Claro que, por aqui e por ali, houve um ou outro percalço. Nada de importante. A sra. ministra da Justiça permitiu que se criasse uma enorme trapalhada nos tribunais por causa da “plataforma” Citius e continua por aí a ameaçar os putativos culpados, que não aparecem. Mas Passos Coelho gosta muito dela e quer que ela fique descansadíssima no seu lugarzinho. O ministro da Educação, Nuno Crato, presidiu à mais confusa abertura do ano lectivo em vinte anos, mas, como sempre, o seu querido chefe e amigo não se quis separar dele e até, para que não ficasse a mais leve dúvida sobre o assunto, o elogiou em público.
Parte do Governo caiu com certeza num buraco, porque não se ouve falar dele e, na baralhada de títulos da Presidência do Conselho, não se consegue perceber o que é suposto fazer cada um. Os sr. Poiares Maduro e o sr. Marques Guedes, de quando em quando, ainda perpassam pela cena para se aliviar de alguma irrelevância. O sr. Lomba não é visto desde 2013 e correm boatos sérios de que emigrou à socapa. De qualquer maneira, para Passos Coelho, são essenciais. Sem eles, a Gomes Teixeira não tinha com certeza a mesma alegria e a mesma vivacidade. Falta evidentemente o grupo anónimo, que anda de carro preto, e de que não se conhece com segurança a existência e o destino. O que não impede o dr. Cavaco de se rever com satisfação na normalidade e no fulgor da nossa querida democracia.
Anteontem, soubemos com espanto que a polícia suspeitava de corrupção, de peculato e de branqueamento de capitais de 11 personalidades de consequência, entre as quais: o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o presidente do Instituto de Registos e Notariado e a secretária-geral do Ministério da Justiça. Mais de 200 agentes da PJ revolveram e tornaram a revolver 60 escritórios de altos dirigentes da administração do Estado. Não se sabe o que por lá encontraram. Seja como for, o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que conhecia alguns dos presumíveis patifes, resolveu, com senso de responsabilidade e decência, apresentar a sua demissão. O primeiro-ministro disse logo que não, que não era capaz de viver sem ele e que, evidentemente, a actual situação, sendo inteiramente normal e quase feliz, não justificava um gesto tão drástico. De Belém não veio um murmúrio. Temos muita sorte.