Incompetência ou terroristas informáticos?
Parece que vamos ver cortar cabeças no Ministério da Justiça...
É evidente que algo funcionou mal no planeamento da operação e que a ministra da Justiça não foi devidamente informada nem do que se ia passar nem do que se estava a passar durante bastante tempo. Porque foi evidente que, durante bastante tempo, não percebeu a dimensão do problema.
Pessoalmente, não acredito nesta tese conspiracionista que tinha sido sugerida, e agora é anunciada, de que o falhanço da migração dos processos para o Citius tenha resultado de uma qualquer actuação deliberada de um, dois ou três funcionários do Ministério da Justiça que pretenderam reduzir a cinzas a maior reforma de Justiça desde a rainha D. Maria II.
Acredito que certamente se descobriram erros, omissões, falhas de informação ou faltas de actuação que teriam permitido evitar o que aconteceu. Como não tenho dúvidas de que quem analisar a actuação dos responsáveis do Banco de Portugal em relação ao BES/GES/BESA não deixará de descobrir erros, omissões, falhas de informação ou faltas de actuação que teriam permitido evitar o que aconteceu.
Somos, de resto, um país de omissões, em que o melhor é estar calado, não “levantar ondas”, não colocar em causa o que é dito e feito pelos que têm o poder. Mesmo os fortes são fracos perante os mais fortes. Somos ensinados a ser, senão submissos, pelo menos manhosos. Felizmente, esta mentalidade, que ainda prevalece em largos sectores da sociedade, já é rejeitada também por muitos dos nossos concidadãos que entendem que é preciso falar, denunciar e actuar para melhorar a nossa vida em sociedade.
O Tribunal da Relação do Porto, no passado dia 8 do corrente mês, veio reforçar a corrente dos portugueses que acham que vale a pena desafiar os poderes instituídos, que vale a pena falar quando achamos que temos razão.
Num qualquer instituto profissional, um grupo de alunas que não estavam contentes com a actuação de um professor escreveram uma queixa à provedora do aluno em que, descrevendo alguns comportamentos deste, afirmavam que era um mau professor, um mau avaliador, preconceituoso, machista, elitista, e que não contribuía para o bom funcionamento e desenvolvimento das aulas e dos alunos em geral.
O professor ficou muito ofendido, queixou-se em tribunal e o Ministério Público defendeu que as alunas deviam ser julgadas pelo crime de difamação, já que as expressões usadas punham em causa, de modo intolerável, a consideração devida ao professor. O juiz de Bragança rejeitou a acusação, por não ver na actuação das alunas indícios de crime que justificassem levá-las a julgamento. Sempre atento aos bons costumes e esquecido das instruções que deve ter recebido para ter em atenção as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre esta matéria, o Ministério Público brigantino recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, insistindo na necessidade de ver aquelas insubmissas alunas julgadas criminalmente.
Mas não teve sorte: os juízes desembargadores Pedro Vaz Pato e Eduarda Lobo explicaram que “dizer de um professor que o mesmo é mau professor ou bom professor, bom avaliador ou mau avaliador, ainda que desagradável, desprimoroso ou rude, não é ofensivo da honra e consideração do mesmo” e, quanto às expressões “preconceituoso, machista, elitista”, seria sempre necessário ter em conta o enquadramento dos factos.
As alunas em causa não se tinham dedicado a adjectivar o professor deste modo gratuitamente e descontextualizadamente. Tinham escrito uma carta fundamentada e tinham-se identificado devidamente. As expressões em causa eram “uma mera decorrência dos factos que alegaram, diga-se, no uso de um direito que lhes assiste, que é o de fazerem exposições/reclamações/sugestões perante o provedor do aluno, que certamente terá sido criado para o efeito”.
É certo que o processo disciplinar movido contra o professor fora arquivado, mas apenas por força do princípio do in dubio pro reo, isto é, por se ter considerado que a prova indicada pelo professor tinha abalado a prova indicada pelas alunas e, na dúvida, havia que absolver disciplinarmente o professor, “mas nunca por se ter concluído que a reclamação/queixa das alunas fosse manifestamente infundada”.
Por isso mesmo, os juízes desembargadores mantiveram o arquivamento da queixa. Vivemos num Estado de Direito democrático em que os cidadãos têm o direito de manifestar as suas opiniões, que não são verdadeiras nem falsas, são meras opiniões, só sendo censuráveis no caso de não serem minimamente fundamentadas, o que não era o caso.