O efeito Lula ainda funciona?
Depois desta eleição renhida mas tranquila, ganhe Dilma ou Aécio, as respostas às dificuldades económicas não serão diametralmente diferentes. Essa foi a boa herança de Lula. E Dilma não pode fazer milagres.
Lula apresentou-a como a sua pupila bem comportada. Muita gente admitiu na altura que ele próprio quereria voltar ao Planalto daí a quatro anos. Ainda hoje uma maioria ampla de brasileiros preferia que tivesse sido ele o candidato em 2014. Mas isso não seria possível numa democracia consolidada como é hoje o Brasil. Repetir a estratégia de Putin, que escolheu um figurante para governar a Rússia por um breve interregno, para regressar depois, não seria nada abonatória para a democracia brasileira. Dilma deixou de ser a sua pupila, mesmo que ele ainda hoje goste de a considerar assim. Mas, quando ele aparece, é ele que faz a festa.
Foi assim nesta recta final da campanha, quando Dilma se viu num aperto com que não contava, chegando a estar ligeiramente atrás de Aécio Neves nas sondagens para a segunda volta. Por coincidência, ou não, a reentrada em cena do anterior Presidente marcou a recuperação da candidata. Só que, desta vez, Lula pôs as suas próprias condições. Escreve a Folha de S. Paulo que criticou a frieza burocrática dos tempos de antena, dizendo que faltava gente e calor, mas havia Dilma a mais. Quis ainda o afastamento do ministro Aloizio Mercadante, o apoio político de Dilma na campanha, e a entrada em cena do ministro Miguel Rossetti. João Santana, o muito eficiente e poderoso chefe dos “marqueteiros” da Presidente cedeu a tudo. “Santana e Mercadante eram adeptos da ideia de que Dilma devia construir a sua identidade própria”, escreve a "Folha".
Se há ainda um efeito Lula, porque milhões de brasileiros sentem por ele uma profunda gratidão, não é fácil a um líder que se transformou num símbolo encontrar o seu espaço político, que já não pode ser o de actor principal. A participação intermitente do anterior Presidente teve, por isso, a sua dose de ambiguidade. Não se eximiu de criticar Dilma poucos meses antes da primeira volta, quando a campanha já estava em andamento. Numa entrevista colectiva, declarou que o país poderia estar melhor. “Dilma vai ter de dizer isso na campanha claramente: como é que a gente vai melhorar a economia”. Recomendou “mudanças na condução do Governo”. Como contrariar os dados negativos da economia brasileira foi um tema essencial na campanha e seria sempre uma dificuldade para Dilma. As últimas sondagens, no entanto, revelaram que os brasileiros mudaram de atitude na recta final, mostrando-se mais optimistas quanto ao futuro. Os números e as percepções, dizem os analistas, podem andar desfasados.
Quanto a Lula, ele seguiu a sua própria agenda. Dilma cobrou-lhe a inesperada entrada em cena de Marina Silva na corrida eleitoral, pedindo-lhe uma mão na estratégia de destruição da candidata. Na segunda volta, Lula assumiu para si a tarefa da “destruição” do candidato do PSDB. Fê-lo utilizando argumentos que deixam muito a desejar num líder da sua envergadura que nunca foi radical nos oito anos que esteve no Planalto. Querendo apresentar o PSDB como intolerante, comparou-o a um partido nazi. “De vez em quando parece que estão agredindo a gente como os nazis agrediam no tempo da II Guerra”. Acusou Aécio de má educação e grosseria, por ter chamado leviana à Presidente num debate televisivo. “Se fosse um homem não teria usado essa palavra”. Caracterizou o opositor de Dilma como um “filho de papai” que nunca teve dificuldades na vida em contraste com a “guerrilheira” que combateu a ditadura e sofreu na prisão as consequências. Digamos que nessa altura o candidato do PSDB tinha sete anos e que pertence a uma família política que lutou pela democracia. O seu avô foi Tancredo Neves, o primeiro Presidente eleito depois da redemocratização, que acabaria por morrer antes de tomar posse. Dilma, como muitos outros estudantes que combateram a ditadura, vinha de uma família abastada.
No calor da campanha e com a magia de Lula, os pormenores são desnecessários. Dilma acusou a imprensa (a revista Veja em primeiro lugar) de jogar contra o PT ao revelar os escândalos relacionados com a Petrobras. Lula preferiu a The Economist, “que teve a pachorra e a insensatez de dizer que o povo brasileiro deveria votar no Aécio”. “Fiquei pensando: será que esta revista é imbecil”. Ele, como ninguém, mantém a capacidade para mobilizar os mais pobres, diabolizando uma elite que não quer partilhar a sua riqueza.
As palavras de Lula, seja lá o que ele diga, ainda contam. Nos últimos dias Dilma reforçou a sua votação sobretudo no eleitorado feminino e nos mais pobres, o que lhe garantiu descolar de Aécio e, muito provavelmente, ganhar neste domingo a eleição para um segundo mandato. A questão que falta resolver é o que fazer com um líder da sua dimensão que ainda não está pronto para abandonar a política, embora a política não tenha nada de particular para lhe dar neste momento. Há analistas que dizem que Lula se adaptaria muito bem a uma vitória do candidato do PSDB, que lhe garantiria o regresso como o salvador da pátria. Parece demasiado maquiavélico para poder ter sequer um fundo de verdade.
Depois desta eleição renhida mas tranquila, ganhe Dilma ou Aécio, as respostas às dificuldades económicas não serão diametralmente diferentes. Essa foi a boa herança de Lula. E Dilma não pode fazer milagres.