Ministério do Emprego não encontra processos da ONG de Passos Coelho

Projecto para Angola que nunca saiu do papel está desaparecido. O fisco analisou em 2004 um pedido de isenção de IRC relacionado com o financiamento do CPPC. O autor deverá ter sido a Tecnoforma de que Passos era administrador.

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Pedro Passos Coelho Foto: Daniel Rocha

A informação foi transmitida pelo gabinete do ministro Mota Soares, na sequência de um requerimento, de 3 de Outubro, em que foi solicitada, nos termos legais, a consulta de todos os documentos arquivados naquele ministério “que tenham a ver com projectos e pedidos de financiamento apresentados entre 1996 e 1999” pelo CPPC.

O pedido visava o esclarecimento das actividades desenvolvidas por esta organização, em particular no que respeita a eventuais financiamentos que tenha obtido, ou a que se tenha candidatado, no quadro da cooperação externa do Estado português. 

Os únicos documentos conhecidos e já tornados públicos sobre as relações entre o CPPC e o Estado estão arquivados no Camões, IP — o instituto público, dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que herdou as competências e arquivos dos sucessivos organismos que tiveram responsabilidades na área da cooperação desde 1974. A direcção daquele instituto facultou-os aos jornalistas, nos primeiros dias deste mês, afirmando que são os únicos que possui, mas entre eles não se encontra um conjunto de peças que lá deveria estar. 

É o caso do processo inicial de registo do CPPC como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), datado do final de 1996, e dos relatórios anuais das suas actividades. Mas é também o caso dos projectos submetidos à aprovação governamental, para efeitos de financiamento, por parte da organização sediada nas instalações da Tecnoforma, em Almada.

Esta ONG tem estado no centro da controvérsia que envolveu o primeiro-ministro por causa das verbas que lhe terão sido pagas e não declarou ao fisco, mas que ele nega ter recebido, em retribuição das funções que lá desempenhava enquanto era deputado em dedicação exclusiva.

Tudo o que foi mostrado aos jornalistas pelo Instituto Camões foi o processo de revalidação do registo do CPPC enquanto ONGD, em 1999, e uma troca de ofícios entre a antiga Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e o instituto que, nessa altura, tratava dos assuntos da cooperação no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Isenções de IRC em 2004
A revalidação do registo era condição indispensável para que a organização continuasse a dispor do estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, com direito às isenções fiscais previstas na lei, mas também para que a Tecnoforma pudesse beneficiar do regime do mecenato cultural previsto no código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC). 

A atribuição desta benesse fiscal por conta dos donativos em dinheiro ou em espécies concedidos pela empresa ao CPPC deverá estar aliás na origem do ofício dirigido pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já em Outubro de 2004, e que se encontra no instituto Camões. Nesse documento, o fisco solicita, “para efeitos de pedido de isenção de IRC”, informação sobre a data em que o CPPC foi registado como ONGD, e sobre a data da última renovação desse registo. O texto não refere quem é que pediu a isenção de IRC, nem quais os valores em causa. Nem a data em que tal pedido foi feito. 

Atendendo a que a Tecnoforma era o único financiador privado da organização e que o orçamento da mesma para 1999 previa “donativos” de 15.600 contos (78 mil euros), é de admitir que a empresa tenha vindo, mais tarde, a pedir as isenções de IRC. Se assim foi isso poderá ter sucedido já depois de Passos Coelho ter assumido as funções de administrador da empresa, o que, segundo o próprio, aconteceu por volta de 2003.

Para lá do ofício das Finanças e da respectiva resposta — segundo a qual o CPPC “não prodeceu à renovação do seu estatuto como ONGD” em 2001, não se encontrando registada desde então — o processo daquela organização no Instituto Camões inclui apenas o “Balanço de Actividades 1998” e o “Orçamento para 1999”.

A novidade que aquele “balanço” apresenta consiste no facto de o principal projecto idealizado pela equipa de Passos Coelho para Angola — o “Programa de Reabilitação e Promoção Activa do Emprego para o Desenvolvimento” — ter sido entregue ao Instituto da Cooperação Portuguesa (ICP) no final de 1997 e ter sido depois enviado por este organismo para o “Ministério do Emprego e Qualificação Profissional”. 

De acordo com esse documento do CPPC, que nada informa sobre o conteúdo e os montantes previstos para a sua execução, o projecto acabou por obter um “parecer técnico favorável” em Junho de 1998, depreende-se que no Ministério do Emprego do primeiro governo de António Guterres, O relatório, de Fevereiro de 1999, diz também que dada a “alteração significativa” da “situação político-militar em Angola”, entretanto ocorrida, o projecto iria ficar “em carteira”, até porque o Governo daquele país o considerava como um “programa de referência”. 

No início dos ano 1990 a Tecnoforma tinha uma forte implantação no mercado da formação profissional em Angola, mas no final da década estava em perda acelerado de terreno. Foi então que surgiu o CPPC, como uma forma de angariar financiamentos para projectos cuja execução lhe seria depois adjudicada. 

A iniciativa da Promocção Activa do Emprego em Angola representava uma das suas apostas, para cuja concretização foi também encarado o recurso a apoios do Banco Mundial. O reacender da guerra terá sido um dos motivos para que o projecto nunca tenha saído da “carteira”.

Foi a consulta do processo relativo ao seu financiamento e os pareceres que sobre ele incidiram, bem como quaisquer outros documentos relacionados com ao CPPC que tivessem sido enviados ao Ministério do Emprego, que o PÚBLICO requereu ao ministro Mota Soares.

“Não foi localizado nos serviços tutelados por este ministério qualquer documento relacionado com essa organização”, foi a resposta agora recebida. 

Um antigo vice-presidente do ICP na época em que o pedido do CPPC ali foi entregue disse ao PÚBLICO nesta terça-feira que o reenvio de um projecto com aquelas características para o Departamento de Cooperação do Ministério do Emprego “era normal, porque o instituto não tinha dotação” para esse tipo de acções. Segundo a mesma fonte, a prática corrente era a de conservar uma cópia no ICP, razão pela qual ela deveria encontrar-se agora no Instituto Camões. Ou se lá não estivesse teria que estar o registo da sua eventual eliminação.

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