A febre dos Future Islands e a bizarria dos Shabazz Palaces à solta em Lisboa
A canção e os passos de dança mais singulares do ano (Future Islands), a música mais extravagante do momento (Shabazz Palaces) e ambientalismo com ruído lá dentro (Tim Hecker). Onde? No festival Jameson Urban Routes, com início esta quarta-feira no MusicBox em Lisboa, prolongando-se por seis noites.
Só visto. Há quem se ri, pelo inesperado da performance de Sam Herring. E há quem se emocione a valer, pela honestidade e pela forma descontraída como supera todos os códigos daquilo que é suposto ser a performance vocal e física de um vocalista dos meandros pop alternativos, onde esses rituais são valorizados.
Talvez esse à-vontade insolente, que escapa a todas as definições, seja a faceta mais saudável do grupo de Baltimore. Em termos de som, não são assim tão diferentes de muitos outros grupos pop-rock com influências dançáveis, com um todo que é ritmado e alegre, uma espécie de Beach House sem melancolia.
Mas o invulgar vocalista dá-lhes uma tonalidade diferente. Em primeiro lugar, existe a voz, rugosa e profunda, uma espécie de Joe Cocker à frente de um grupo que queria ser alternativo. Depois, existe a performance contagiante do cantor. Quando se emociona a valer, urra e grunhe, batendo no peito perto do microfone, com o barulho seco interferindo no som da canção, enquanto dança de joelhos e costas dobradas para a frente, lançando um ar maníaco para a assistência. Sam Herring é a personificação de tudo aquilo que um conjunto de notas pretende transmitir.
Lançado no início do ano, o álbum Singles chegou ao de leve, sem grandes alaridos. Até que os Future Islands actuaram no programa de TV do americano David Letterman e os vídeos dessa e de outras actuações, como no show de Jools Holland na BBC, tornaram-se virais.
Foi assim, graças a uma canção e ao carisma do cantor, que os concertos se multiplicaram e uma banda com dez anos de existência obscura, com três álbuns na bagagem, se tornou conhecida.
São os Future Islands, sem dúvida, o grande acontecimento da edição deste ano do festival Jameson Urban Routes, que tem início esta quarta-feira, prolongando-se por seis noites, no MusicBox, em Lisboa - não é por acaso que a noite de quinta-feira, aquela em que a banda de Sam Herring toca, se encontra esgotada há muito tempo (sexta, actuam no Hard Club, no Porto).
O festival é uma mostra de algumas das tendências da música popular actual, com um misto de nomes estrangeiros e portugueses. Para além dos Future Islands, há outros nomes sobre os quais recaem muitas expectativas. É o caso do duo americano Shabazz Palaces, que actua no último dia do festival, a 1 de Novembro.
Depois de um primeiro álbum marcante (Black Up, de 2011), regressaram este ano com o admirável Lese Majesty, obra ocupada por um universo singular, feito de atmosferas subaquáticas, electrónica borbulhante, ritmos desconexos vagamente inspirados no hip-hop e funk mutante.
Quem já os viu ao vivo sabe que são capazes de criar momentos de grande sedução, através de programações, percussões e vozes. Aliás, a aprendizagem do palco nos últimos anos foi determinante na feitura do novo álbum, segundo disse ao PÚBLICO, há meses, o cantor Ishmael Butler, que no início dos anos 1990 já tinha tido um papel influente na ligação do hip-hop com o jazz através dos Digable Planets.
“Os espectáculos permitiram-nos explorar novos ritmos e sons, até porque existe improviso”, acrescentou Butler. “Nesses momentos, sem rede, por vezes podemos estatelar-nos no chão, mas também se descobrem coisas maravilhosas.”
Outra performance esperada é a do canadiano Tim Hecker, no próximo sábado. Figura nuclear da música ambiental dos nossos dias, lançou meia dúzia de álbuns até agora, com destaque para Virgins, do ano passado, misto de texturas, abstracção e ruído.
Na sua música, existe espaço para muralhas sonoras digitais e espaços acústicos abertos, num misto de ondas voluptuosas de electricidade que se esmagam contra o digital. Numa conversa recente, Tim Hecker dizia ao PÚBLICO que é muito diferente ouvir as suas peças instrumentais em casa ou num palco. “Ao vivo, é qualquer coisa de impositivo e intenso; existe uma enorme concentração de energia e o volume de som está sempre muito alto.” Fica o aviso.
Os britânicos Fujiya & Miyagi, que vêm apresentar o novo álbum Artificial Sweetners, entre o rock e as electrónicas, actuam sexta-feira, antes de outros ingleses, os Glass Animals, que prometem expor a pop electrónica evocativa do álbum Zaba. O canadiano Moonface, no sábado, os finlandeses Lower e os roqueiros americanos Strand Of Oaks, a 31 de Outubro, são outros nomes a ter em atenção, para além de portugueses como Memória de Peixe, Keep Razors Sharp, The Glockenwise ou Medeiros/Lucas.
Aliás, para começar, esta quarta-feira, com entrada livre, o cardápio é constituído só por portugueses, com actuações ao vivo dos Cachupa Psicadélica, Beautify Junkyards e Sequin, seguindo-se sessões DJ por Rastronaut e King Kong.
Na plateia, estarão profissionais de vários países, entre organizadores de festivais e jornalistas, que irão estar à conversa com os artistas sobre os paradigmas da internacionalização para novos talentos.