A terapia pessoal de um obsessivo

Quando o seu pai morreu, Tim Presley fechou-se em casa a compor canção atrás de canção. Nasciam os White Fence, banda para colocar ao lado de Ty Segall ou Thee Oh Sees no epicentro rock’n’roll de São Francisco. For The Recently Found Innocent é o disco em que sai de casa. Nada se perdeu.

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RUTH SWANSON

For The Recently Found Innocent, o seu último álbum, o sexto desde a estreia enquanto White Fence, em 2010, mostra essa indefinição de forma particularmente feliz. “Vejo-me constantemente nessa situação. Se uma canção soa demasiado bonita, então quero que tenha algures algo de feio, e se é muito agressiva, então tenho de lhe criar algo de harmonioso ou melodioso", conta-nos por e-mail. Acrescenta: “É como a vida. O bem e o mal. Maldade e honestidade. Haverá sempre um espinho numa rosa."

Os White Fence são banda para juntarmos aos Thee Oh Sees, Sonny & The Sunsets, Wooden Shjips, Ty Segall ou Mikal Cronin no epicentro rock’n’roll de São Francisco. No ano passado, quando a banda actuou em Paredes de Coura, deparámo-nos com a energia insaciável que víramos nos supracitados Thee Oh Sees, vimos rock’n’roll totalmente imbuído de História mas totalmente livre de dogmas puristas – a vitalidade sentia-se e era ali que estávamos, a viver aquela música agora, não sonhando ouvi-la em 1968. “Julgo que sou, por vezes, uma pessoa zangada, irada, e tocar ao vivo limpa essas sensações do meu sistema. Preciso de algum caos e de alguma imperfeição enquanto toco. Sentir-me-ia um animal enjaulado se tivesse de tocar com um loop de bateria. Preciso de sentir a imprevisibilidade."

Este ano, chegou For The Recently Found Innocent e sentimos o contraste: em estúdio, este devoto do som metálico, rangente, de Eddie Phillips, o guitarrista da banda de culto The Creation que inspiraria Jimmy Page, este grande admirador de Syd Barrett e Skip Spence, inglês e americano unidos pelo génio e pela tragédia, cria música montada criteriosamente com cuidado pop, ou impregnada do pulsar clássico, cristalino, de uns Byrds a braços com um par de fantasmas. Pela primeira vez, Tim Presley trocou o quarto em que grava habitualmente por um estúdio a sério. Ou quase: por insistência do amigo Ty Segall, com quem editou em 2012 o álbum de parceria Hair, verdadeiro festim de rock psicadélico clássico, mudou-se para o estúdio que o autor de Twins construíra em São Francisco. Presley não estaria sozinho com Ty Segall. Nick Murray, baterista dos Thee Oh Sees fora convocado e, para acentuar ainda mais a aura de pequena comunidade que rodeia os membros desta vaga na cidade da Golden Gate Bridge, Mikal Cronin apareceria para tocar piano em Raven on white Cadillac. Presley não pensou duas vezes: “Não me faz diferença onde gravo. Uma boa canção é uma boa canção, independentemente da qualidade do som. Neste álbum queria experimentar alguma coisa de diferente. Qualquer coisa. Desde que tivesse o Ty Segall e o Nick Murray, não queria saber onde ou com que máquinas seria gravado. Só queria sair do meu quarto por um segundo." Percebe-se o desejo.

 

Rock'n'roll intemporal

Antes de nascerem os White Fence, Tim Presley foi membro de uma banda de punk-harcore, The Nerve Agents (“Ainda aplico o ethos punk/hardcore, quer seja ao tentar conseguir mais algum dinheiro para as bandas que nos acompanham em tournée ou defendendo a igualdade em tudo o que faço”). Depois deles, esteve nos Darker My Love, banda a caminho do psicadelismo que lhe ouvimos hoje. Em 2007, viu-se inesperadamente membro dos The Fall, recrutado a meio de uma digressão americana. Acabaria a gravar Reformation Post TLC, editado em 2007 – Presley só tem bem a dizer de Smith e a relação mantém-se forte: está neste momento a compor canções para um futuro álbum da banda.

Um ano depois da colaboração com os Fall, as canções que Presley gravava em casa “por brincadeira, “tentando aprender os rudimentos dos métodos de gravação e de composição de canções”, tornaram-se algo sério. Foram a sua catarse. “O meu pai morreu num acidente trágico em 2008”, conta. “A dor deu-me um poder estranho: o de me refugiar a criar música, dia e noite.” Assim lidou com o luto. Assim nasceram os White Fence. “São como uma terapia pessoal. Não tenho de impressionar ninguém a não ser eu próprio, e esse é um trabalho a tempo inteiro."

I live in fear of wasting time”, confessa em Fear, balada cantada no timbre sonhador de Syd Barrett, mas um Syd Barrett alimentado a country e habitante das vastas planícies americanas, não dos verdes campos de Cambridge. A frase é o retrato de um obsessivo. “Não consigo fazer uma actividade ‘normal’ sem pensar em música ou arte [Presley também pinta – a capa do novo álbum é um auto-retrato seu]. Sou muito obsessivo com o processo de composição e gravação e essa é uma prisão em que me sinto bem."

Enquanto adolescente, Tim Presley era um “punk rocker de skate” entusiasmado com os The Damned, banda de destaque do punk britânico, ou com os Heartbreakers de Johnny Thunders, ícone do punk nova-iorquino (há uma versão de You can’t put your harms around a memory em Is Growing Faith, o segundo álbum dos White Fence). Depois apareceu-lhe pelo caminho o You’re gonna miss me dos 13th Floor Elevators, a banda texana que exortou a sua geração na década de 1960: “You gotta up your mind and let everything come through”. Aos 17 anos, apanhou a granada sonora que é 7 and 7 is, dos Love, num vídeo de skate. “A partir daí, nunca mais olhei de forma discriminatória para os 60s e o estigma da ‘era hippie’”, conta. “É tudo rock’n’roll intemporal com camisolas diferentes. Essa é a minha tradição. Essa energia e esse espírito têm de manter-se vivos."

Fechado em casa, compondo canção após canção obsessivamente, tem sido esse o trabalho de Tim Presley e dos seus White Fence. Por vezes até sai de casa, mas o resultado é o mesmo. Aquela energia e aquele espírito continuam lá. Temos For The Recently Found Departed como prova. 

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