OPA sobre a ES Saúde pode conter abuso de informação privilegiada
Mexicanos da Ángeles compraram acções da empresa até à véspera do anúncio da OPA. Quem vendeu desconhecia que proposta de compra ia avançar com um prémio de 9% sobre o valor dos títulos.
Desde esse dia, o grupo mexicano e os principais responsáveis foram acumulando participações na empresa que detém os hospitais da Luz (Lisboa) e Beatriz Ângelo (Loures). A 13 de Agosto, o capital detido era já superior a 2%, ou seja, o grupo assumia já uma participação qualificada, embora isso só tenha sido conhecido no momento exacto em que fez a proposta de OPA.
A última compra foi feita na segunda-feira, véspera do anúncio oficial, quando atingiu os 3,3181%, altura em que a Ángeles adquiriu mais 0,1271%. Antes, no dia 14 (quinta-feira passada), os dois principais rostos da empresa tinham feito novo reforço, de 1%. Nessa data, a compra foi feita através de Olegário Vázques Aldir (director-geral e filho do fundador e presidente do conselho de administração da Ángeles) e do seu pai, Olegário Vázquez Raña.
De acordo com a própria Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), há uma “hipótese de abuso de informação privilegiada” quando “uma entidade emitente inicia o processo de eventual lançamento” de uma OPA e “antes da decisão final vários administradores compram para si e para a própria empresa acções da entidade visada”. É assim que o regulador se refere, no seu site, a casos que indiciam abuso de informação privilegiada, o que vai contra as regras do mercado. Isto tendo em conta a “experiência existente a nível nacional e internacional”.
Questionada pelo PÚBLICO sobre se a compra de acções pela Ángeles, nomeadamente na véspera do anúncio da OPA, era ou não ilegal, fonte oficial do regulador afirmou apenas que, “sempre que é publicado um anúncio” de uma OPA, “a CMVM faz uma análise das operações que o antecederam”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar a Ángeles.
Um especialista em mercado de capitais e abuso de informação privilegiada, que pediu o anonimato, afirmou ao PÚBLICO que “a situação não é líquida”, mas que “a informação disponível no mercado não deve ser assimétrica”. “Se há uma OPA pendente, há uma desigualdade quando quem lança uma operação está a comprar tendo essa informação relevante face a quem está a vender, que a desconhece”.
É que, como sucedeu a 18 de Agosto, quem vendeu não sabia que no dia seguinte a OPA viria valorizar as acções em 9%, como foi o caso. E, nessa data, dificilmente os seus principais gestores não sabiam que no dia seguinte a Ángeles iria oficializar a proposta de OPA. No entanto, diz este especialista, a questão terá de ser aprofundada para se perceber se há abuso de informação privilegiada.
Há um caso conhecido em que o Tribunal da Relação de Lisboa condenou dois administradores da Cofina (Paulo Fernandes e João Borges de Oliveira) a uma multa de 45.000 euros cada um, por utilização de informação privilegiada na compra da Celulose do Caima. Isto após, na 1.ª instância, o Tribunal de Instrução Criminal ter absolvido os gestores. Em causa estava a aquisição, a um fundo de investimento, de “um grande lote de acções de outra sociedade cotada quando, na mesma altura, estavam preparar o lançamento de uma OPA e a negociar a aquisição de outro grande lote a outro accionista por valor superior à primeira aquisição referida”, conforme se lê no site da CMVM.
A concretizar-se a compra da ES Saúde pela Ángeles, o negócio representa a entrada dos mexicanos no sector da saúde na Europa. O Grupo Empresarial Ángeles (GEA) está a oferecer 4,3 euros por acção. Nesta quarta-feira, a cotação cresceu 8,42%, subindo para 4,275 euros. Ao início da noite, o GEA comunicou que detém já 6,97% do capital (mais 3,65% comprados nesta quarta-feira).
A ES Saúde é controlada em 51% do capital pela ES Health Care Investiments (ESHCI), que por sua vez é detida pela Rioforte (55%) e tem ainda como accionistas a ESFG e o Novo Banco. A entidade gerida por Vítor Bento é dona de 27,26% (18,16% de forma directa e mais 9,1% através do BES Vida). Se a Rioforte, em processo de gestão controlada no Luxemburgo, decidir vender, o Novo Banco encaixa 57,1 milhões de euros com o negócio.