That´s rugby my friends

A final do Super XV foi uma lição de bem jogar e representa bem o exemplo do que deve ser um jogo de râguebi

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Numa permanente luta por cada centímetro de terreno, as duas equipas da final do Super XV – Waratahs, 33 Crusaders, 32 - deram uma lição de bem jogar, bem combater e do entusiasmo que pode ser o râguebi dentro e fora do campo. Com quatro ensaios e manutenção da incerteza do resultado até ao último segundo, o jogo do transformado estádio das Olimpíadas de Sidney representa um excelente exemplo do que é um jogo de râguebi. “Isto é râguebi, meus amigos”, foi a frase - na sua conhecida versão inglesa - que mais vezes me passou pela cabeça, lembrando-me a visão essencial do conceito: “ou vivemos como uma equipa, ou morremos como indivíduos”.

Aos 10 minutos os donos da casa australianos já ganhavam por 11-0; ao intervalo por 20-13; aos 49 minutos a inversão com os Saders a vencerem por 23-20; aos 62 minutos de novo os Tahs na frente com 28-26; aos 76 minutos outra vez os neozelandeses na frente com 32-30; no minuto final os Waratahs - primeiros classificados da fase regular, recorde-se - passam definitivamente para a frente para ganhar o Super XV de 2014 por 33-32 num jogo impressionante de capacidade de utilização das bolas conquistadas por qualquer das equipas.

O jogo de râguebi tem como objectivo marcar pontos - o que transforma a conquista da bola, a sua utilização e recuperação nos objectivos tácticos essenciais. Pontos que se tornam eficazes se forem servidos na sua essência pelos princípios fundamentais do jogo: avançar sempre, apoio, continuidade e pressão. A que devemos juntar os parâmetros que marcarão a diferença: velocidade, comunicação, reacção e adaptação. E foi uma impressionante panóplia de utilização destes recursos que se viu durante os oitenta minutos desta final.

E se há força muscular e dimensão física nos jogadores presentes, também pudemos perceber que a questão fundamental para garantir o avanço ou a continuidade do jogo está - como a ciência define - nas habilidades motoras de cada um. E se o físico puro e duro ajuda é a capacidade de antecipar a realização do gesto que faz a diferença.

Ser capaz de decidir e executar no metro de distância ao adversário é a chave para bater defesas cada vez mais organizadas: decidir a distância demasiada - cedo de mais - significa optar por uma solução que já não servirá por ultrapassada pelos movimentos defensivos; decidir no tempo e distância justa é garantir que o movimento tem continuidade e que é possível manter a pressão atacante sobre a defesa, levando-a a abrir os espaços necessários ao avanço do ataque.

O início dos Tahs foi impressionante: rapidez de conquista, rapidez de passe, mais rápidos e em maior número no chão para garantir a velocidade da sequência, ataques de jogadores lançados aos intervalos defensivos dos Crusaders e a exploração do ponto fraco que se revelou no ponta neozelandês Nadolo. E ganhou também na permanente conquista de terreno indiferentes à posse da bola: evitar dobras defensivas e impedir a formação do apoio atacante foram palavras-de-ordem no campo australiano. E foi no chão que esteve - com 111 favoráveis contra 42 - a chave da vitória ao permitir a pressão da continuidade da posse da bola - 67% contra 33% - traduzido em quase mais 200 metros de terreno em transporte de bola - até estabelecer o domínio sobre o adversário e conseguir ou a ultrapassagem da linha defensiva ou a falta.

E mesmo assim, os Saders defenderam muito: 176 placagens (21 falhadas) contra 64 (22 falhadas) dos australianos. Mas perderam-se na geografia das faltas: das 10 faltas concedidas, 8 possibilitaram pontapés-aos-postes, sendo 7 convertidas, enquanto que os Tahs, apesar de terem cometido 13 faltas, só fizeram 6 em zona de conversão. E num jogo acabado com 1 ponto de diferença... foi aliás uma falta no último minuto - em grave desconcentração do experimentadíssimo McCaw que, como disse, "se colocou a jeito" (embora seja impossível penalizá-lo por fora-de-jogo por ter sido o placador) - que garantiu a vitória aos Waratahs - "à primeira vista julguei que a bola tinha passado por baixo da barra", contou o capitão vencedor, Michael Hooper.

De facto, qualquer que fosse o lado para o qual a vitória caísse, o vencedor seria justo. Se os Waratahs entraram fortíssimos e conseguiram uma importante diferença no resultado, a reacção dos Crusaders foi de se lhes tirar o chapéu. E a dimensão do jogo que ambas as equipas produziram foi notável, quer em termos de combate, quer em termos do esforço de utilização eficaz das bolas disponíveis. Quantas vezes ultrapassando o limite do risco.

Dois pontos negativos num jogo de elevado nível, repito, e que vale a pena telerever. O primeiro, diz respeito à influência que teve no resultado o substituto de Andrew Ellis, Will Heinz, que cometeu o terrível erro de jogar ao pé, entregando a bola ao adversário, em cima do final do jogo e quando a estratégia recomendava manter a posse - pelas mesmas más razões Portugal deixou, em Santiago de Compostela, a Espanha empatar o jogo em cima da hora e ganhá-lo em Lisboa - proporcionando-lhe posicionar-se no campo para conseguir a falta que lhe deu a vitória.

O outro ponto negativo, este de ordem mais geral, foi a evidência de que, com as novas leis, a formação-ordenada favorece o infractor: para além do esforço despendido num combate de 7 contra 8, a bola conquistada é jogada com os atacantes sobre o pé-de-trás. E tudo isto por causa daquela invenção da autorização imposta pelo árbitro francês, Joel Jütge, chefe da arbitragem da IRB. E se isto não muda, a plataforma de ataque que concentra jogadores e abre intervalos, foi-se... diminuindo a capacidade de ataque das equipas e retirando cada vez mais a possibilidade de expressão atacante que esta final ainda nos pôde mostrar.

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