Das ruas para a Sotheby's sem a autorização de Banksy

Leiloeira tem à venda 70 obras de Banksy numa das maiores retrospectivas feitas ao artista. O curador da exposição é o antigo agente de Banksy, com quem trabalhou durante dez anos.

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É inusitado o caminho que percorremos para chegar à exposição na Galeria S2, da Sotheby’s. É estranho desde logo porque estamos numa das maiores leiloeiras internacionais para ver algumas das obras mais icónicas de Banksy, o artista britânico cuja identidade permanece uma incógnita, e que desde sempre se tem manifestado contra a venda dos seus trabalhos a preços exorbitantes. Este não é o seu mundo e percebemos isso facilmente ao percorrer os corredores da leiloeira, onde não faltam sinalizações a indicar o caminho para a exposição na S2, que termina já nesta sexta-feira. Afinal, a maioria das pessoas que procuram esta exposição não estará habituada a percorrer estes corredores. Banksy não estaria.

Talvez por isso, por estes dias, o ambiente na Galeria S2 seja contrastante. As paredes da galeria foram todas pintadas com spray preto e vermelho pelo próprio Steve Lazarides, que desde que em 2008 deixou de trabalhar com Banksy se tornou num galerista independente. O objectivo foi criar um contexto quase de rua para as 70 obras de Banksy. Esta é a primeira grande retrospectiva dedicada ao britânico em Londres desde 2009 e é por isso uma oportunidade para se verem alguns dos seus stencils mais conhecidos. Estão aqui, por exemplo, os dois polícias a beijarem-se, os retratos de Kate Moss (um deles assinado pela própria modelo) em tudo iguais aos que Andy Warhol fez de Marilyn Monroe, a menina com o balão em forma de coração, Lenine a andar de patins e um retrato de Winston Churchill com uma crista verde.

Mas um aviso: não há aqui stencils roubados de paredes, ou seja, pedaços de pedra arrancados dos seus locais originais, como tão frequentemente acontece. É cada vez mais difícil encontrar uma obra do artista na rua, uma vez que assim que aparece alguém a retira para a vender ou para a guardar apenas para si – e isto porque Banksy se tornou um valor seguro no mercado da arte. É por isso que aqui, apesar de esta ser uma mostra não autorizada, não entraram, nem nunca entrariam paredes, uma vez que para Steve Lazarides isso seria imoral, como o próprio explicou em Junho na inauguração da exposição que é também uma venda. Todas as obras expostas – esculturas, stencils em telas e serigrafias – foram em tempos produzidas por Banksy com a ideia de as vender.

“Tirar estas peças das paredes é moralmente errado. Ele põe-nas lá para o público em geral, não para alguém as tirar. Acho que Londres fica mais pobre com a perda destas obras. E o argumento de que se retiram as obras para as proteger é só uma treta”, defendeu à Reuters o curador, que avisou Banksy de que estaria a organizar esta exposição na Sotheby’s. Não teve resposta, mas de uma coisa Lazarides tem a certeza: “Banksy odiaria, nunca fez uma exposição numa galeria.” Ao PÚBLICO a directora da Galeria S2, Fru Tholstrup, disse também ter avisado Banksy, “por isso ele sabe, mas esta exposição foi feita em colaboração com Steve Lazarides e não com Banksy”, frisa. E destaca a importância de ter alguém como Lazarides envolvido nesta retrospectiva. “É absolutamente fantástico para nôs tê-lo neste projecto, ele conhece o Banksy como ninguém.”

Sobre a opinião tantas vezes manifestada contra a venda das suas obras a directora desvaloriza-a e diz que o artista está no seu direito. E sem revelar quantas obras foram já vendidas e os valores exactos, Fru Tholstrup confirma que o interesse pelos trabalhos de Banksy é cada vez maior. “Os preços variam entre as quatro mil libras (cerca de cinco mil euros) para alguns trabalhos e as 500 mil libras (631 mil euros) para outros. O interesse nesta exposição demonstra como o mercado está cada vez mais forte no que ao Banksy diz respeito”, explica a directora, acrescentando que pela S2, desde o dia 11 de Junho, quando a exposição abriu, já passaram mais de 12 mil visitantes. “É um grande sucesso, é uma das exposições mais referidas desta época.”

No dia em que visitámos a exposição, o movimento era algum e conseguia-se distinguir muito bem quem ali estava apenas para ver “ao vivo” algumas obras de Banksy, de telemóvel na mão a fotografar tudo e mais alguma coisa para a partilhar nas redes sociais, daqueles posssíveis interessados em adquirir algumas das peças. Não há preços em lado nenhum, e, embora a directora não tenha explicado como funciona o processo de compra, na galeria percebemos que só através de uma reunião é que se discutem valores.

Uma das peças que mais atenção despertam na exposição, e que segundo a BBC será também uma das mais caras, é Banksus Militus Vandalus, um rato com óculos de sol na cabeça e uma mochila às costas com uma lata de spray, dentro de uma caixa de vidro. Lá dentro lê-se: "Our time will come" (O nosso tempo virá). Esta obra só foi vista em público uma vez e apenas por duas horas, quando, em 2004, Banksy se fez passar por um dos funcionários do Museu de História Natural de Londres e instalou o seu trabalho numa das paredes, como se este fizesse parte da colecção do museu. Aguentou duas horas exposto até ser retirado pelo pessoal da instituição.

O ambiente na galeria é por isso descontraído e ouvem-se muitas gargalhadas, ainda que contidas. Banksy põe-nos a rir com a sua visão irónica do mundo. “Banksy podia com toda a certeza seguir carreira na publicidade”, escreve o crítico do The Telegraph, para quem as mensagens de Banksy são tão simples quanto potentes. E enumera exemplos entre as obras expostas: o desenho de Jesus na cruz com sacos de compras nas mãos, o manifestante que atira um ramo de flores, em vez de um cocktail Molotov, ou a escultura de Miguel Ângelo protegida com um colete à prova de balas.

Banksy não autorizou esta exposição, mas ironicamente há um trabalho que muito bem poderá reproduzir aquilo que o artista pensará sobre o que se passa na galeria. É uma serigrafia de 2007 chamada Morons e que representa uma cena de um leilão. Num dos quadros lê-se: I can’t believe you morons actually buy this shit (Não posso acreditar que vocês, seus idiotas, comprem rmesmo esta merda).

Pois é, também ainda muitos se lembrarão do que Banksy fez no ano passado em Nova Iorque, quando montou uma banca em pleno Central Park com obras suas à venda por pouco mais de 40 euros, acabando por não vender quase nada – afinal ninguém poderia imaginar que ali estavam mesmo originais seus à venda. Foi esta a forma que Banksy encontrou para criticar os preços altos a que suas obras têm sido vendidas, pois numa leiloeira 40 euros nunca seria sequer a base de licitação para um trabalho seu.

Numa entrevista ao site Artnet, Steve Lazarides contou que ganhar dinheiro nunca foi uma prioridade para Banksy e que mesmo quando este fazia algumas séries numeradas e assinadas para venda, o preço máximo que pedia eram cinco euros. Lazarides ajudou o artista no negócio e lembra que na arte urbana ninguém sobrevive sem vender, a não ser “os filhinhos de papás ricos”. Foi por isso também que em 2008 Banksy criou um serviço de autenticação das suas obras, chamado "Pest Control", de forma a conseguir regular de algum modo o mercado. É por isso que com a venda na Sotheby’s o artista, mesmo não tendo nada a ver com a sua realização, receberá uma parte do dinheiro arrecado. Escreve o The Guardian que estes direitos de autor dão-lhe uma percentagem de 4% do preço de venda de cada obra.

Para Lazarides, esta exposição seria a última coisa que Banksy quereria ver, mas o curador considera ser importante organizar iniciativas como estas que nos põem a olhar com seriedade para a arte urbana. À Artnet o antigo colaborador de Banksy dá até o exemplo do português Vhils, que tem uma grande exposição no Museu da Eletricidade, em Lisboa. “De repente tornou-se aceitável gostar deste tipo de arte e isto também é bom”, destaca Lazarides. 

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