Os partidos e o marketing político
O militante vê-se reduzido à função de pôr uma cruz no boletim de voto.
Os mass media, em especial a TV, continuam a ser a grande escola de comportamentos-padrão. O mimetismo começa, porém, a montante: na própria transformação estrutural que a dinâmica de mercado induziu nesses meios de comunicação. O seu objeto principal seria a informação. Mas, os seus verdadeiros clientes não lhes compram informação. Compram-lhes audiências.
A informação não é, pois, a finalidade, mas sim o meio de satisfazer a procura dos verdadeiros clientes: as empresas de publicidade. É destas que depende vitalmente a sustentabilidade da comunicação de massas como negócio.
Num contexto de concorrência sem quartel, a venda de audiências determina tudo: as grelhas, os conteúdos e o estilo dos uo Estado dexiouvista, órgãos de informação. A norma publicitária é reproduzida em todos os planos. Sem marketing comunicacional que garanta quotas de mercado não há audiências para vender. Daí o inevitável tratamento da informação como mercadoria. De resto, não se observa qualquer diferença entre televisões privadas e televisão pública, pois também esta foi colocada na inteira dependência das receitas de publicidade. Vender ou não vender, eis a questão.
Este modelo não podia deixar de contaminar a comunicação política, enquanto comunicação de massas, na medida em que o audiovisual se tornou o seu cenário privilegiado. Só existe politicamente o que passa na televisão. Manifestações, reuniões, declarações são preprogramadas para a televisão. Diluem-se as fronteiras entre spot publicitário e informação. Já não se faz política sem agências ou conselheiros de marketing, e quem não compreendeu a transformação da comunicação política em mercadoria está condenado ao fracasso.
Estamos, assim, cada vez mais longe da “situação ideal de discurso” e do “uso público da razão”. A norma publicitária – sem dúvida hegemónica, mesmo nas redes digitais emergentes – derroga o princípio democrático da participação ativa, crítica e esclarecida, dos cidadãos. Exclui-os do processo deliberativo. Confina-os a uma competência passiva, meramente “aclamatória”. Trata-os como simples “consumidores”.
É certo que sobrevivem ainda nos mass media – há que reconhecê-lo – alguns espaços de debate político, sério e fundamentado. Mas não invalidam a tendência geral à reprodução do comportamento-padrão, que tem vindo a capturar até mesmo o funcionamento interno das máquinas partidárias.
Numa hora tão grave como aquela que o mundo, a Europa e o país atravessam, seria de esperar que os partidos apelassem a um profundo debate interno, o mais alargado possível, envolvendo tanto populações locais como diferentes grupos socioprofissionais e setores de atividade – um debate que lhes permitisse fazer o diagnóstico da situação e deliberar, como coletivo – segundo um modelo de democracia participativa – sobre os respetivos programas e estratégias a curto, médio e longo prazo.
Em vez disso, porém, responde-se ao impasse com “eleições primárias”. Isto é, com a colonização da vida partidária pelo modelo publicitário e plebiscitário, já dominante na esfera pública. Sem voz ativa, o militante ou simpatizante defronta-se – agora também internamente – com o uso e abuso das estratégias de marketing. Vê-se reduzido à função de pôr uma cruz no boletim de voto: “comprar ou não comprar, eis a questão”.
Professor catedrático jubilado (FCSH-UNL)