Nunca percam a fé nas guitarras

Sim, hoje há Black Keys e Buraka, mas imaginem que vos apetece aquele rock disfuncional mas com um mínimo de melodia garantido? É espiar os Parquet Courts que, enquanto não salvam a humanidade, dão alegrias às pessoas de bom gosto.

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BEN RAYNER

Os Parquet Courts – informação extraordinariamente importante: Tribunais de Parquet na linguagem conhecida por Translated By Bing – não vêm sozinhos: trazem o muito fofinho Sunbathing Animal, o seu segundo ou terceiro disco, conforme queiram incluir na discografia do quarteto American Specialties, de 2011, obra inicialmente editada apenas em cassete nos EUA e posteriormente lançada em vinil.

Por via das dúvidas incluam-no: quando perguntamos a Andrew Savage, o cantor, guitarrista e co-compositor da banda, se Sunbathing Animal foi, como diz a tradição, um “segundo difícil disco”, ele rosna como Mutley e exprime o que parece ser a seguinte frase “Grrr, $%/-se, car”#$%&, p%$ que pariu, nós temos três discos, TRÊS DISCOS, car”#$%&/." <_o3a_p>

Pronto, pronto, pronto, leva a bicicleta. Mas dá-se o caso de Light Up Gold, o segundo disco dos Parquet Courts, lançado em 2012, ter chamado a atenção do mundo, vá da melhor parte do mundo, ok, de umas 10 mil pessoas com extremo bom gosto, numa altura em que a primeira cassete ainda nem ressuscitara em vinil – tornando-os, para azar deles, numa daquelas bandas de que ocasionalmente se diz virem salvar o rock'n'roll (cuja morte permanece adiada até data incerta). <_o3a_p>

De modo que, na práticam Sunbathing Animal é o primeiro álbum em que os Parquet Courts, ex-salvadores do rock'n'roll, estiveram debaixo do olhar do universo – vá, de 10 mil pessoas com extremo bom gosto. E isto obviamente dificultou-lhes imenso a vida.<_o3a_p>

“Err, $%&-se, não, não dificultou, car”#$%”, diz Savage, que teima em afirmar que a banda é de Brooklyn, apesar de, notoriamente, o feitio do seu líder estar ainda marcado pelas agruras de crescer no Texas. “É um disco que vem depois de um álbum que toda a gente adorou e nós sabíamos que agora tínhamos uma audiência e que o mais sensato seria não a alienar. Mas ao mesmo tempo nenhum de nós quer saber disso para nada. Não vale a pena tentar adivinhar de que é que as pessoas vão gostar – mais vale fazer o que se quer e depois é puro darwinismo: quem gosta gosta, quem não gosta não gosta."<_o3a_p>

E muita gente vai gostar, claro, de avarias como a harmónica podre de She's rolling. Amancebem os vossos ouvidos com Instant disassembly, a décima faixa do terceiro disco dos Parquet Courts: uma linha de guitarra infecciosa, com exactamente quatro notas, e o registo nasalado blasé de Savage dirigindo-se a uma qualquer mamacita que o ensinou a rastejar, e os coros desafinados no fim: é uma maravilha de rock-indie. Savage gosta de dizer que são punk mas não são punk coisa alguma: isto é o que os Pavement fariam se fossem miúdos hoje. <_o3a_p>

“Eu percebo que nos comparem com outras bandas, quanto mais não seja para terem um ponto de referência”, começa Savage, que tem um delicioso mau feitio que demora a dobrar (não dobrámos), quando tocamos no assunto-Pavement. <_o3a_p>

“Mas no NME disseram que soamos aos Strokes, o que não faz sentido algum para mim [e de facto não faz, quem dera aos Strokes]. Mas os Strokes gostam dos Television e eu também. É o mesmo com os Pavement. Nós gostamos dos Fall, dos Velvet e dos Roxy Music, que também os influenciaram. Os Pavement são das maiores bandas dos últimos 20 anos, mas não são uma influência directa”, diz Savage, uma afirmação que podemos levar a sério se não ouvirmos os discos dos Parquet Courts e a deliciosa Dear Ramona, deste disco. Ou What color is blood. “É só que as pessoas têm dificuldade em entender que pessoas diferentes em épocas diferentes possam ter interesses e maneiras de pensar similares”. 'Tá bem, meu, leva a bicicleta. <_o3a_p>

Fé na guitarra

No caso, os Parquet Courts têm – por acaso – uma maneira de compor similar à dos Pavement: a mesma tendência para fazer “canções com duas notas”, pilhada “assumidamente aos Fall”, a mesma tendência para berrar a meio das canções e para enfiar todos os truques possíveis (palminhas, solos a guinchar, harmónicas fora do prazo de validade) na estrita moldura de três acordes. E aquele amor pelos solos à Television (chapado em Bodies made of, deste álbum) além da mania de o guitarrista que não compôs enfiar buchas nas canções dos outros.<_o3a_p>

“Nós compomos sempre da mesma maneira. Eu escrevo – palavras, isto é –, mas sem estrutura alguma em mente, só escrevo. Depois se gosto é que pego na guitarra e trauteio e eles ordenam: o Max [Savage, baterista e irmão de Andrew] é muito intuitivo e percebe aonde eu quero chegar. E o Austin [o segundo seis cordas da banda] escreve as suas linhas de guitarra nas minhas canções e eu nas dele – ele também escreve, não sou só eu."<_o3a_p>

Quando dizemos a Andrew que o método não é apenas similar ao dos Television, mas também ao dos Go-Betweens, ele reage como um cavalheiro: “Eu sei, cara”#$%, compro discos desde miúdo, &%$”-se, achas que não conheço os Go-Betweens?”. Eu sei lá, camarada, isto o mundo é complicado.<_o3a_p>

O que é que podemos esperar do concerto de hoje em Algés? Uma banda extraordinariamente ansiosa por dizer “Obrigado, Lisboa!”, claro. Ou não: “Donde vimos não há festivais, que são acima de tudo uma cultura europeia. Penso que não somos uma banda de festival. Os festivais são uma forma de ganhar dinheiro. Eu prefiro um clube ou um bar, uma sala escura com álcool. Isso é que é rock'n'roll." <_o3a_p>

Mas descansem, pessoas: Andrew, apesar de tudo, garante que “antes de mais os Parquet Courts são uma banda ao vivo. O rock'n'roll não faz sentido em casa; é para ser ouvido e visto à tua frente. É aí que explode." E com o temperamento do rapaz, é bem capaz de se dar o caso de uma canção como Always back in town, com as duas guitarras à chapada uma à outra, explodir mesmo. “Tenham sempre fé no poder de uma guitarra”, diz Andrew. Juramos que, por uma vez, disse isto com o tom mais cordial do mundo – talvez por os Tribunais de Parquet terem duas.<_o3a_p>

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