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Os escuteiros não são piores que a droga

Aproveito, desde já, para esclarecer: os escuteiros não são, no geral, melhores pessoas que as outras. Mas têm o potencial individual para o ser

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Stringer/Reuters

Os eventos mais fulcrais do quotidiano são os acasos. Mais do que tudo, são eles que montam a vida e, pelo meio das coincidências, desviamo-nos e vamo-nos adaptando. Há poucos dias, no meio dos aborrecimentos e do marasmo das rotinas, atravessou-se-me à frente um pedaço da minha própria história: vi gente a quem não olhava nos olhos há perto de uma década. E gostei.

Para muitos, isto seria uma confidência; para mim é só uma revelação: fui escuteiro durante dez anos. Durante uns gloriosos dez anos. Celebrei amizades de fazer inveja a muita malta, provoquei eventos que só morrerão com o meu próprio cérebro, fiz nascer ensinamentos que, se tudo correr bem, serei capaz de transmitir a outros.

Apartando as memórias do celebérrimo “sketch” que oiço vezes e vezes sem conta de cada vez que digo que fui escuteiro (“antes andasses metido na droga”, gracejam de forma muito pouco original os armados em comediantes de bolso), não tenho o mínimo incómodo em asseverar que o escutismo é uma das melhores escolas que a vida me deu. Soa a cliché, eu sei, mas é a mais crua das verdades. Por isso mesmo, tenho um conselho para quem o quiser agarrar: se tiverem filhos, ou estiverem a pensar em tê-los, não tenham o mínimo receio de os ver de lenço debruado ao peito. Eu explico porquê.

Aproveito, desde já, para esclarecer: os escuteiros não são, no geral, melhores pessoas que as outras. Mas têm o potencial individual para o ser. Ser escuteiro não é, naturalmente, vestir uma farda, promover farras dentro de florestas e caminhar com um destino pouco provido de sentido. Quero dizer, também é - mas não é só. É, acima de tudo, conhecer melhor o bicho humano e a sua presença no meio que o envolve. É uma comunhão com outros colocando o eu em perspectiva.

Quem tenha sido escuteiro sabe ser um melhor profissional, especialmente se tiver de trabalhar em sinergia – conhece bem o que deve ser um verdadeiro espírito de equipa. Sabe ouvir melhor os apelos que vêm das árvores, estando sensibilizado a todos os níveis para a importância da preservação do ambiente. Conhece melhor a fraternidade de que os humanos são capazes. Conhece também – e não o nego - as dinâmicas homem-mulher. Sabe isto e muito mais. Tão mais.

Mesmo que tenham tido, como eu tive, (ou ainda tenham) vergonha de andar com umas coisitas ridículas penduradas nas meias, a que se convencionou dar o nome de jarreteiras, não deixem de aprovar o movimento. Vale a pena, mesmo que a vida nos empurre depois para outros lugares fisicamente longe do escutismo, como me aconteceu a mim. Mas a sério, vale mesmo a pena. Palavra de escuteiro.

Resta-me deixar uma palavra de apreço a cada um dos milhares de pessoas que tornam o escutismo numa realidade em Portugal, em especial aos meus queridos ex-colegas dos 625 de Rio de Mouro, que cumpriu há dias 34 anos de existência. Boa caça!

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