A política está a mudar. Habituem-se!
As novas formas de intervenção no espaço público estão a permitir aos cidadãos desestruturar os velhos modelos.
A situação insólita actualmente vivida no Partido Socialista é um sinal de que podemos estar a assistir a uma alteração da tradicional correlação de forças entre o espaço público e a esfera de intervenção partidária.
Os factos são conhecidos.
É sabido que António José Seguro depois de ascender ao lugar de secretário-geral do PS alterou os estatutos do partido de forma a “blindar” qualquer tentativa de “ameaça” à sua liderança até às legislativas de 2015.
Muita gente dentro e fora do PS dava como adquirido que António José Seguro se manteria aos comandos do partido e seria candidato a primeiro-ministro, depois de frustradas as tentativas da oposição interna em apresentar uma alternativa, em tempo útil, isto é, dentro dos calendários previstos pelos estatutos.
Sabia-se que mesmo tendo que enfrentar períodos de turbulência interna, Seguro tinha um mandato legítimo para quatro anos, resultado da alteração estatutária por si promovida, que instituiu o alargamento dos mandatos de secretário-geral para o dobro, estando, por essa via, “amarrado” à liderança do partido e à condição de candidato a primeiro-ministro.
Ademais, sob a liderança de Seguro, o PS ganhara duas eleições – autárquicas e europeias – e em circunstâncias normais essas vitórias, mesmo que para muitos pouco convincentes, teriam sido suficientes para que a máquina partidária, controlada por Seguro, impedisse qualquer tentativa de mudança de rumo.
Perante estas permissas, cumpre perguntar: o que se passou, então, para que o quadro de funcionamento do sistema partidário não se tivesse comportado de forma prevísivel?
Na minha perpectiva, o que aconteceu foi que pela primeira vez em Portugal a intervenção no espaço público extravasou e rompeu com as barreiras do espaço político formal. A crise no PS não é apenas uma crise interna, é uma crise sistémica. É o efeito das “ondas de choque” provocadas pelo crescente descrédito dos cidadãos no sistema politico.
As formas de intervenção política formal estão em acelerado processo de deslegitimação democrática e já não conseguem disfarçar a fraca representatividade que o actual sistema político revela, espelhado quer nos níveis-recorde de abstenção, quer no aumento da base eleitoral dos partidos anti-sistema.
É hoje claro que com o advento da Sociedade da Informação e com a dissiminação da Internet e das tecnologias móveis, uma nova forma de intervenção cívica, acelerada pelo espaço público virtual e pelas redes sociais, está a germinar e a emergir progressivamente e com isso a reconfigurar a própria democracia. O campo da cidadania alarga-se e autonomiza-se e as organizações políticas formais, que atravessam uma crise de identidade e de legitimação, respondem reactivamente e dessa forma tentam readaptar-se e reinventar-se numa lógica de sobrevivência.
Em vários momentos da nossa história as inovações tecnológicas produziram efeitos de mudança fundamentais e permanentes nas estruturas de poder das sociedades humanas. O pensador americano de origem australiana McKenzie Wark fala da eclosão de um novo fenómeno que designa por “terceira natureza”, explicando: "Entrámos numa nova era em que a informação passou a estar um passo à frente do movimento das pessoas e das coisas, acabando por dominar e coordenar os seus movimentos, fazendo com que a 'terceira natureza' exerça ainda maior domínio sobre a 'segunda natureza', que é a do contexto humano e do processo produtivo, que, por sua vez, domina a nossa relação com a natureza, os recursos e as matérias-primas."
As novas formas de intervenção no espaço público estão a permitir aos cidadãos desestruturar os velhos modelos de organização centralista e substituí-los por processos de comunicação baseados no diálogo em rede, muitas vezes desenvolvidos em canais que escapam ao controlo dos dirigentes. Esta é uma nova realidade e quem quiser ter lugar na política do futuro vai necessariamente ter de se adaptar a ela.
A emergência de António Costa como candidato à liderança do PS não teria sido possível, atentas as crcunstâncias e os condicionalismos inerentes ao modelo partidário vigente, se não tivesse encontrado na sociedade civil uma “câmara de eco” que soou de forma ruidosa no espaço público, impondo-se ao partido.
António José Seguro foi apenas a primeira vítima. Habituem-se!
Militante do PS, especialista em Comunicação