O problema de Pepe é que não nasceu nos PALOP. O azar do jogador é que, quando fala, o que lhe sai é aquele português musical (antes abrisse as vogais). O que calha mal ao internacional é não ser filho do “grande império”.
Teve Pepe a aparente pouca sorte de ter procurado melhor sorte em Portugal, ter insistido, conseguido e ficado. De ter, por vontade própria, pedido a nacionalidade do país que escolheu como casa. Mas aquilo de que Pepe se pode queixar, acima de todas as coisas, é de ser Brasileiro. É de não corresponder ao aceitável padrão lusitano, de não encaixar no ideal de português aceitável que, como se sabe, deve de ter nascido entre Bragança e Ressano Garcia.
Tolerar a portugalidade de Pepe — de Deco, do Liedson, do Jair, que trabalha na Caparica, e da Heloísa, que vive na Amadora — implica que se mantenha fino, que não levante a crista e que, de preferência, evite abrir a boca. Desculpávamos-lhe tudo, até o mau feito, mas só se não fosse de Maceió. Porque é que nunca ninguém questiona o amor à pátria dos internacionais nascidos nas antigas colónias? Talvez seja porque, para alguns portugueses (espero que cada vez menos), “África é nossa”. É este síndrome pós-colonial que nos faz aceitar o Rolando e o Nani, mas repudiar todos os outros que, nas mesmas condições, tentaram por cá a sua sorte.
O acto de Pepe, no jogo contra a Alemanha, foi inaceitável. Um comportamento inadmissível, que nos deve envergonhar, e que só pode ser punido. Agora, o que aquela cabeçada não justifica é a abertura da caixa de pandora do racismo e da xenofobia. Ainda há por aí muito preconceito reprimido. O mesmo complexo com que olhamos para o Quaresma (não fosses tu cigano, rapaz, e ias ver como tinhas a vida muito mais facilitada!) ou que usamos para definir todas as brasileiras como… vocês sabem.
Este texto nem sequer é sobre o Pepe. É sobre o “não és de cá” implícito com que tratamos quem chega de fora, mesmo que já tenha chegado há tantos anos que não conheça outra casa se não esta.
Acreditem-me, que sei do que falo. Viver no estrangeiro, dedicarmo-nos a quem nos acolheu, sentirmos orgulho nas cores da bandeira, admirarmos as gentes e costumes, fazer parte de tudo isso, é um acto de amor. Como é que um país que tem uma diáspora tão grande — e a aumentar — pode passar a vida a questionar o sentir de quem quis — o poder da escolha! — fazer parte deste lugar em crise?