EUA admitem cooperar com o Irão para travar jihadistas no Iraque
Países querem parar a progressão do ISIS, mas os seus interesses no terreno coincidem pouco para além disso. Kerry admite uso de drones para travar radicais sunitas.
O Presidente iraniano, Hassan Rohani, eleito o ano passado com a promessa de quebrar o círculo de isolamento do país, anunciou no sábado que Teerão admitia uma cooperação se visse da parte de Washington vontade para “agir contra os grupos terroristas”. A Administração de Barack Obama não respondeu imediatamente em público, mas no domingo uma fonte governamental norte-americana disse ao Wall Street Journal que os EUA se preparam para negociar directamente com o rival uma estratégia para travar os ultrafundamentalistas que, em menos de uma semana, tomaram várias cidades importantes do noroeste do Iraque.
Depois de ter dado ordens ao porta-aviões George HW Bush para se dirigir para o Golfo Pérsico e de reforçar a segurança da sua embaixada em Bagdad, a administração norte-americana admitiu esta segunda-feira a possibilidade de colaboração com o Irão mas não no plano militar. O secretário de Estado, John Kerry - que admitiu o recurso a ataque de drones, aparelhos aéreos não tripulados, como uma das opções para tentar travar o avanço dos radicais sunistas no Iraque - disse, em resposta ao Yahoo News, que "não excluiria nada que possa ser construtivo".
Mas as suas palavras foram prontamente "corrigidas". "Não há qualquer intenção, qualquer plano para coordenar acções militares entre os Estados Unidos e o Irão", declarou o porta-voz do Pentágono, contra-almirante John Kirby. Os únicos interlocutores de Washinton em matéria militar no Iraque são o governo e as forças de iraquinas, precisou. Também a porta-voz do Departamento de Estado, Jennifer PsaKi, veio clarificar a posição do seu chefe: "Para que fique claro: abertura a uma conversação política com o Irão contra a ameaça da ISIS, não a uma cooperação militar", escreveu no Twitter. Noutra declaração, Psaki apelou às autoridades de Teerão para que não actuem de maneira "comunitária" na crise iraquiana, abstendo-se de atiçar as tensões entre xiitas e sunitas.
Ambos os países prometeram apoio militar ao Governo de Nouri al-Maliki, ainda que os Estados Unidos tenham responsabilizado o primeiro-ministro iraquiano por ter fomentado a actual crise, ao alienar a minoria sunita ao ponto de muitos preferirem os jihadistas a um Governo dominado pelos xiitas. Até por isso, Obama exclui à partida a hipótese de voltar a enviar soldados para o Iraque.
O Irão não confirma que meios pôs já à disposição de Maliki, mas fontes no terreno citadas pela estação britânica BBC dizem que 130 instrutores dos Guardas da Revolução estão já no país a dar formação aos voluntários xiitas que responderam aos apelos para se juntarem ao Exército na luta contra o ISIS.
A acontecer, o diálogo directo passaria por Viena, onde as delegações dos dois países voltaram a reunir-se nesta segunda-feira para continuar as negociações internacionais sobre o programa nuclear iraniano. Rohani definiu o espinhoso dossier como prioridade na sua política de abertura e foi à margem das negociações que norte-americanos e iranianos voltaram a falar frente-a-frente, depois de mais três décadas de contactos esporádicos – sempre em sigilo e apenas em situações de crise.
O Wall Street acrescenta que Mohammad Zarif, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano e chefe da equipa de negociadores nucleares, serviu também de interlocutor com Washington depois dos atentados de 11 de Setembro – tal como acontece agora com o ISIS, os taliban eram radicais sunitas que os dois países tinham interesse em derrubar.
Diálogo arriscado
Um porta-voz da Casa Branca garantiu que não houve ainda contactos directos entre os dois países sobre a crise no Iraque, mas o Departamento de Estado reforçou a ideia de que o diálogo poderia começar nesta segunda-feira ao revelar que o subsecretário de Estado Bill Burns estaria presente nas negociações de Viena. O chefe da diplomacia norte-americana, John Kerry, sublinhou, no entanto, que “qualquer diálogo que possa acontecer será à margem ou fora das negociações nucleares”. “Não queremos as coisas ligadas ou misturadas”, afirmou.
Mas esse não é, no entanto, o único risco de um diálogo necessariamente tenso. Washington sabe que qualquer sinal de aproximação ao Irão será mal vista pelos seus aliados na região – tanto as monarquias árabes como Israel –, da mesma forma que qualquer cooperação militar com a potência xiita poderá incendiar ainda mais a revolta da minoria sunita iraquiana, numa altura em que várias milícias e grupos rebeldes optaram por uma aliança de conveniência com os jihadistas.
A Administração Obama reconhece também que, para lá do objectivo comum de impedir que os jihadistas se aproximem de Bagdad, os dois países têm visões e interesses divergentes quer para o Iraque, quer para a região. Teerão não só apoia as políticas de Maliki que marginalizaram os sunitas como treina e financia as milícias xiitas que Bagdad usa contra a rebelião, compensando o mal equipado e desmoralizado Exército deixado pelos americanos.
Do outro lado da fronteira, os dois países apoiam campos opostos (o Irão o regime sírio, Washington a rebelião secular), ainda que tenham como inimigo comum o ISIS. “Este é um caso em que o inimigo do nosso inimigo continua a ser nosso inimigo”, disse ao Wall Street uma fonte do Pentágono, sublinhando que “quaisquer interesses comuns” que os EUA partilhem com o Irão “se limitam ao Iraque”.
Num sinal do alarme que a ofensiva do ISIS provocou em Washington, mesmo a oposição republicana, céptica quanto às hipóteses de um acordo nuclear com o Irão, diz apoiar uma cooperação limitada com o regime iraniano. “Por que é que cooperámos com Estaline? Porque ele não era tão mau como Hitler”, afirmou o senador republicano Lindsey Graham numa entrevista, domingo, à CNN.
“Os iranianos podem fornecer alguns recursos para garantir que Bagdad não cai.” Um desses recursos, adiantava o Wall Street, poderá ser a informação recolhida pelas unidades de elite dos Guardas da Revolução enviadas tanto para a Síria como para o Iraque e que será decisiva no caso de os EUA decidirem lançar ataques aéreos contra as bases do ISIS.