Alfama "tem uma luz diferente" e foi com ela que voltou a ganhar as marchas de Lisboa

Na noite mais longa da cidade-das-sete-colinas, as marchas populares e os arraiais competiram pela atenção de quem andou pelas ruas da capital.

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Marcha de Alfama nas ruas do bairro AFP/Patrícia de Melo Moreira
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A fadista Raquel Tavares, madrinha pela quarta vez consecutiva da marcha de Alfama, antes de desfilar na Avenida da Liberdade, onde se celebravam os 400 anos da publicação da obra Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, mostrou-se confiante de que o destino da viagem seria o primeiro lugar: Alfama é “a marcha mais linda da cidade”.

Alfama, que venceu ainda a melhor cenografia, letra – em conjunto com as marchas do Castelo e da Graça – e o melhor desfile da Avenida nesta 82.ª edição das Marchas Populares de Lisboa, não é, de acordo com a fadista, “só fama”. As vitórias não têm surgido “por pura sorte”, mas sim “devido ao trabalho e ao afinco” dos moradores do bairro em torno desta celebração. A vitória, apesar de habitual, gera “sempre”, segundo Raquel Tavares, “um maior orgulho e uma maior vontade de voltarem a fazer mais e melhor ano após ano”.

O pódio ficou completo com a marcha de Alcântara, que conquistou 238 pontos, e a do Bairro Alto, com 226 pontos. As marchas populares são avaliadas com uma pontuação de 0 a 20 em dois momentos, no Meo Arena (o que aconteceu a 6, 7 e 8 de Junho), e na noite de 12 para 13 de Junho na Avenida da Liberdade, nas categorias de Coreografia, Cenografia, Figurino, Melhor Letra, Musicalidade, Melhor Composição Original e Desfile da Avenida.

Neste ano, as tradicionais marchas populares receberam convidados especiais. E coube ao Carnaval de Torres Vedras, representado por 600 pessoas, a convite do presidente da câmara de Lisboa, António Costa, a abertura das hostilidades. No dia de Santo António, o santo casamenteiro, Pinto Gonçalves, responsável do grupo Ribombar de Torres Vedras, sublinhou que a iniciativa foi “um casamento muito feliz” entre duas folias distintas.

Para Pinto Gonçalves, o facto de ser quase Verão não tira “menos prazer” ao Carnaval, uma vez que “o espírito do Carnaval dura o ano inteiro”. E foi o espírito torriense que procuraram demonstrar ao longo da Avenida da Liberdade, cobrindo-a de “boa disposição, brincadeira e divertimento”.

Outros dos convidados inusitados da noite vieram de Macau, vestidos com as cores nacionais e com referências aos camponeses e pescadores portugueses que povoaram aquele território chinês. Apesar de no vestuário a marcha macaense ser muito similar às portuguesas que desceram mais tarde a Avenida, a coreografia trouxe a internacionalidade à festa alfacinha.

Segundo, Pedro Miguel Manhão, ensaiador do grupo, a coreografia foi preparada “durante mais de seis meses”, e aos “movimentos típicos do folclore luso” adicionaram-lhes as “danças tipicamente macaenses”.

Estes casamentos com as marchas populares deixaram surpreendida a fadista e actriz Anita Guerreiro, madrinha do concurso. “Estou um bocadinho triste, porque realmente são misturas muito diferentes, ao contrário de antigamente já não é só Lisboa”, contou.

Todavia, para a actriz, que pela nona vez assumiu o papel de madrinha da Marcha dos Mercados, extraconcurso, este é mais um dos casos que “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, e o gosto pelas marchas, apesar das diferenças que têm sofrido com o passar dos anos, “nunca se perde”. Anita Guerreiro, embora não consiga garantir que conseguirá cumpri-la, devido aos seus 77 anos, deixou a promessa que para o ano “se tudo correr bem” estará novamente presente naquela que é a noite central das Festas de Lisboa.

Um sentimento difícil de explicar
Na noite mais longa da cidade-das-sete-colinas, as marchas populares e os arraiais competem pela atenção dos que passeiam pelas ruas da capital.

Ainda as marchas não tinham chegado ao Marquês de Pombal e já começava o braço-de-ferro entre a crise e a tradição. A tradição voltou a vencer, e consequentemente nos mais diversos bairros de Lisboa floresceram os arraiais, os manjericos, os balões e o tradicional cheiro a sardinha e a febra assadas.

Se, na Avenida da Liberdade, as escolhas do júri recaíram sobre Alfama, o mesmo aconteceu em relação arraiais. Milhares de pessoas, das mais diversas faixas etárias e nacionalidades, escolheram este bairro, o mais antigo da capital, para festejar o Santo António.

Para Olga Fidalgo, de 62 anos, natural de Campolide, a noite dos santos é “sempre única”. No entanto, em Alfama é “diferente, é mais especial, porque pulsa vida em cada beco e travessa do bairro”. Apesar da clara diferença de idades, Ricardo Francisco, de 12 anos, tem a mesma opinião. “Os arraiais de Alfama são sempre melhores, as pessoas são mais divertidas e há um sentimento difícil de explicar”, sublinhou o jovem adepto das Festas de Lisboa.

Carolina Coelho foi para Alfama festejar os Santos e a vitória do Brasil, no jogo inaugural do Mundial. Para a brasileira, esta noite é sempre “única”, sobretudo “pelo convívio”, e a escolha por Alfama “foi imediata” porque “o bairro tem uma luz diferente dos outros”.

De acordo com Alexandra Marques, assadora em Alfama, a diferença de Alfama para os outros bairros não reside “apenas no ambiente”, mas também nas próprias sardinhas, que no actual bairro vencedor das Marchas de Lisboa são “mais frescas, maiores e mais gordinhas”. À questão sobre o segredo de Alfama, Alexandra Marques não hesitou na resposta: “O segredo de Alfama, comparado com os outros bairros, é não ter segredos e esse é o seu maior trunfo”.

Apesar de a noite de hoje ter sido, provavelmente, a mais animada, os bailaricos em Alfama vão continuar nos dias 13, 14, 20, 21, 27 e 28 de Junho.

Texto editado por Hugo Torres

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