Colóquio discute o património de origem portuguesa no mundo através de diferentes escolas e olhares

Um curso lançado em 2010 está a formar especialistas em património de raiz portuguesa. Um tema em debate este fim-de-semana na Universidade de Coimbra.

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A Cidade Velha, na Ilha de Santiago, foi classificada Património Mundial da Humanidade em 2009 Orlando Rodrigues/AFP

Walter Rossa, arquitecto, professor na UC e co-fundador, com Margarida Calafate Ribeiro, deste doutoramento, explica ao PÚBLICO a sua especificidade com o facto de ele “incidir sobre a investigação e reflexão do ponto de vista cultural e conceptual”, em vez de pôr a tónica em questão mais práticas, como acontece com outros cursos do género.

Lançado há já quatro anos, pelo facto de ter periodicidade bienal, o curso vai actualmente apenas no segundo ano, estando a ser frequentado por 17 alunos maioritariamente portugueses, mas entre os quais existem duas estudantes italianas, uma brasileira e um timorense.

O alargamento a mais países vai ser feito já a partir do próximo ano, com a abertura a alunos e a colaboradores de novos países, como Moçambique e Cabo Verde, por exemplo. Mas o painel das 16 intervenções agendadas para o colóquio de hoje e amanhã – em que parte dos intervenientes são já professores do curso da UC – mostra já a dimensão multinacional, multigeográfica e interdisciplinar do doutoramento.

“A língua – e não apenas a língua portuguesa – e o território, enquanto arquitectura e urbanismo, são as grandes marcas comuns desta geografia universalista”, diz Walter Rossa, “daí a ideia de ‘patrimónios’ no plural”.

O arquitecto e Margarida Calafate Ribeiro, especialista em literaturas africanas de língua portuguesa e professora da Cátedra Eduardo Lourenço na Universidade de Bolonha, vão abrir o colóquio com uma conferência sobre os Modos de olhar patrimónios. “Vamos dizer como vemos hoje o evoluir da nossa visão sobre este tema, focando-nos nas questões do território e da política da língua”, avança Walter Rossa. Mas sem introduzir a questão do Acordo Ortográfico, que tanta polémica tem motivado nos últimos anos.

O arquitecto e professor reconhece que tem havido “um grande alarido em torno desta questão, que deveria ser resolvida de forma mais sossegada”. Mas justifica que, “por razões de ordem prática”, o tema não entrará na sua comunicação. Defende, no entanto, que esta discussão “só faz sentido se os 250 milhões de habitantes do mundo lusófono se revirem nela”, algo que admite ser “problemático”.

Do Brasil, o colóquio vai contar com a participação de três professores da Universidade Federal Fluminense: José Pessôa, Sílvio Renato Jorge e Ana Mauad. O primeiro é arquitecto urbanista e especialista em conservação e restauro de monumentos e sítios. Vai falar em Coimbra sobre Edificado e paisagem, “uma reflexão sobre o património construído no Brasil como testemunho dessa cultura geral global” que é o objecto do doutoramento, adianta ao PÚBLICO.

José Pessôa acredita, de resto, que o curso de Coimbra permitirá “alargar a reflexão” sobre o património de origem portuguesa no mundo a diferentes escolas e olhares. E diz que, a partir do Brasil, esse património é já visto “como brasileiro”. “Não há nenhum estranhamento, é algo que nos pertence, que é nosso”, realça o arquitecto da universidade em Niterói, acrescentando que desde os anos 1930 o seu país vem dando atenção ao património arquitectónico e urbanístico de raiz colonial portuguesa.

De Cabo Verde, Leão Lopes, escritor, cineasta (é o autor de Ilhéu de Contenda, primeira longa-metragem de ficção realizada no seu país), ex-ministro da Cultura e professor fundador do M_EIA (Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura, no Mindelo), vem falar sobre a arquitectura vernacular no seu país.

Leão Lopes nota que “Cabo Verde é um caso à parte” no todo do mundo luso, já que “é um território povoado e construído pela gesta portuguesa, onde as marcas são muito fortes e estão ainda pouco estudadas”. E cita o caso particular da Cidade Velha, na ilha de Santiago, a primeira cidade construída pelos europeus nos Trópicos, e que foi declarada Património Mundial da Humanidade pela Unesco, em 2009. “Tem uma importância matricial na identidade nacional cabo-verdiana, que é incontornável para nós, que não pretendemos passar ao lado da marca portuguesa na construção da nossa identidade”, assinala Leão Lopes.

O conjunto das intervenções neste fim-de-semana no auditório da Reitoria da UC resulta do desenvolvimento de temas que foram inicialmente distribuídos aos conferencistas no final do ano passado, em Bolonha. A versão final destes contributos, actualizados na sequência dos debates neste colóquio, dará depois origem a uma publicação que Walter Rossa espera poder vir a ser editada em Fevereiro de 2015, quando for lançada a “versão internacional” do curso de doutoramento.

 

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