Casos de crianças retiradas a famílias no Reino Unido cresceram com incentivos à adopção

Entre os milhares de famílias que dizem ter perdido injustamente os filhos, nos últimos anos, algumas dezenas chegaram a Bruxelas. Parlamento Europeu pediu uma investigação à Comissão Europeia.

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Uma magistrada britânica chegou a acusar juízes e Segurança Social de conspirarem para retirar as crianças aos pais Nuno Ferreira Santos

A frequência e gravidade dos casos não é de agora, mas este ano motivou uma petição ao Parlamento Europeu com mais de 3600 assinaturas envolvendo famílias que se dizem vítimas de processos injustos, concluídos, nalguns casos, com a adopção irreversível das crianças sem o seu consentimento.

É contra essa possibilidade que o casal Pedro tenta lutar. Carla e José Pedro aguardam que os Serviços Sociais de Grantham decidam – depois de uma avaliação psicológica dos filhos que poderá não ficar concluída antes de Agosto – se as crianças serão ou não transferidas para uma instituição em Portugal, passando o processo para a Segurança Social, como foi proposto pelas autoridades portuguesas.

O processo da menina de cinco meses retirada em Maio pelos Serviços Sociais de Southend-on-Sea não está fechado. A opção de a bebé ficar com uma tia paterna foi aceite pelo juiz, que recomendou que tal acontecesse o mais rapidamente possível, mas os Serviços Sociais informaram a tia que a menina não lhe deverá ser entregue antes de Agosto, continuando por agora a viver numa família de acolhimento inglesa.

Em Março, depois de uma sessão dedicada ao tema da retirada de crianças e adopções no Reino Unido, os eurodeputados da Comissão para as Petições decidiram não encerrar o dossier e pediram uma investigação à Comissão Europeia – pela suspeita de violação da legislação comunitária em casos como o do casal Pedro.

Bruxelas pode ou não avançar com o processo, e pedir mais informações às famílias e ao Governo do Reino Unido. Embora seja improvável, esta instituição poderia, se encontrasse justificação para tal, levar o país ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Um antes e um depois
Quando se analisa o sistema de protecção das crianças no Reino Unido é frequentemente apontado um “antes” e um “depois” de 2007, ano da morte do bebé de 17 meses conhecido como Baby P. Ficou provado que os pais tinham provocado a morte, com ferimentos graves, do bebé que estava a ser acompanhado, há vários meses, pelos Serviços Sociais - que foram duramente criticados por não terem prevenido a tragédia.

O caso do Baby P. é frequentemente invocado para explicar por que opta o sistema britânico por retirar as crianças aos pais não apenas quando há “sinais claros de perigo”, como em Portugal, mas a partir do momento em que pode existir “risco futuro de dano emocional”, mesmo sem maus-tratos físicos ou emocionais comprovados.

A verdade é que o número de menores retirados às famílias estava já a aumentar de forma exponencial antes da morte do Baby P.. Os críticos do sistema associam-no não aos receios dos assistentes sociais mas aos incentivos à adopção criados pelo Governo de Tony Blair sete anos antes.

Em 2000, o Executivo britânico pôs em marcha um plano para acelerar os processos de adopção, oferecendo bónus financeiros às câmaras que atingissem em 2006 a meta de aumentar em 50% o número de crianças entregues a famílias adoptivas. O objectivo anunciado era o de criar alternativas à institucionalização das crianças.

Em Julho de 2007, ainda antes da morte do Baby P., o jornal Daily Mail noticiou que o Governo oferecera 36 milhões de libras às câmaras que cumprissem as metas e que havia 900 recém-nascidos (com menos de uma semana) por ano que estavam a ser separados dos pais – mais 300% do que dez anos antes. Também revelava que 1300 bebés (com mais de uma semana e menos de um mês) eram todos os anos retirados às famílias originais, o que correspondia a um aumento em 141% numa década. Mas só um ou outro caso chegavam ao conhecimento do público, dada a proibição imposta aos progenitores de falarem à comunicação social durante o processo.

“Arranjo clandestino”
Também nesse ano, e a propósito dos dois casos de duas inglesas, Pauline Goodwin e de Sharon Harkness, o Daily Telegraph escrevia que os tribunais de família “recusam dizer às mães por que lhes são retirados os filhos e colocados para adopção” sem o seu consentimento. Em nenhuma das situações foi dado acesso aos fundamentos da deliberação do juiz.

E sem documentos não havia recurso possível da decisão. Nenhuma delas voltou a ver os filhos, entretanto adoptados.

Raramente – ou quase nunca – acontece, mas numa notícia de Fevereiro de 2014, o Daily Mail contava como uma juíza de um tribunal superior, Anna Pauffley, reverteu a decisão de um tribunal de família de primeira instância de retirar uma bebé à mãe. A magistrada acusou juízes e técnicos dos serviços sociais de conspirarem para a retirada injusta de crianças às famílias e denunciou, no caso em questão, “um arranjo clandestino” em que os magistrados apenas se preocuparam em cumprir as exigências dos Serviços Sociais sem ouvirem, de forma objectiva, a versão e os pedidos dos pais. 

“Um dos problemas é a falta de fiabilidade das provas” nestes processos, cujas audiências decorrem à porta fechada, disse ao PÚBLICO o deputado dos Liberais-Democratas John Hemming, presidente da Justice for Families, um movimento ligado a esta causa. Mas também os benefícios que muitos tiram do sistema, acrescenta.

As famílias de acolhimento podem ganhar 500 libras por semana por criança (cerca de 600 euros) e podem acolher várias em simultâneo. A mudança de família de uma criança pode render às agências de adopção – que surgiram em 2000 e se multiplicaram –  entre 20 mil a 30 mil libras (24 mil a 36 mil euros).

John Hemming explica que as audiências em tribunal quase nunca incluem testemunhas de defesa dos pais e fala na pressão “para se aumentar o número de crianças adoptadas” num sistema “corrupto”. As duas inglesas Pauline Goodwin e de Sharon Harkness são um exemplo da situação extrema a que estes casos podem chegar, nota o mesmo responsável, e representam, ao mesmo tempo, “a ponta do icebergue” de um fenómeno que se instalou na sociedade.

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