Carta aberta ao primeiro-ministro de Portugal
Já só levamos a sério quando se aprova o orçamento e se abre o concurso.
Um ano depois e somente com melhorias parciais, o número de utentes não parou de aumentar, superando em apenas três meses as previsões para todo o ano. Ou seja, uma medida sensata melhorou um serviço público, aumentou o número de utentes, os ingressos da transportadora pública e reduziu o dinheiro que o Estado atribui para a manutenção da linha.
Se tudo isto são vantagens, onde está o problema? Naquele momento, o Governo de Portugal, através do seu primeiro-ministro, comprometeu um investimento de cerca de cem milhões de euros, para electrificar e modernizar a ligação ferroviária internacional entre Porto e Vigo, para que no primeiro trimestre de 2017, coincidindo com a entrada em funcionamento do TGV Vigo-Madrid, o Porto estivesse ligado a Vigo por Alfa Pendular em 90 minutos. Para tal, reprogramar-se-iam 33 milhões de POVT para começarem as obras entre Braga-Nine e Viana do Castelo, cujo concurso se lançaria antes de 31 de Março deste ano. A 30 de Maio, não se lançou o concurso. A confirmar-se isto, suporia uma deslegitimação de um Governo que não honra os seus compromissos e de instituições dependentes do mesmo, como é o caso da CCDR-N, cujo presidente, com a sua autorização, senhor primeiro-ministro, anunciou ao presidente da Xunta de Galicia e aos meios de comunicação, tanto espanhóis como portugueses, este compromisso.
Alguns sectores em Portugal questionam o déficit financeiro da linha actual, mas quando se abre uma empresa nos primeiros anos há perdas que estão calculadas num plano de viabilidade. Se assim não fosse, ninguém criaria empresas. As únicas empresas que geram lucro desde o primeiro dia são as PPP, porque é o Estado que lhes garante o lucro. A linha internacional do Minho irá ser rentável quando os investimentos permitam fazer o percurso Porto-Vigo em 90 minutos e Coruña-Lisboa em quatro horas. Sabemos que CP não tem estudo de mercado para esta linha porque nunca confiou nela, mas basta ver os dados do Eurostat sobre o número de veículos que cruzam diariamente a ponte internacional de Valença.
Desde que o conheço pessoalmente, tenho a convicção de que Vossa Excelência é um homem honesto que cumpre os seus compromissos; no entanto, é possível que nem todos tenham esta visão honesta dos compromissos, em instituições que dependem do seu Governo, até mesmo que haja quem tenha interesses distintos dos que o primeiro-ministro representa. Todos sabemos que as circunstâncias em que lhe coube governar não são fáceis. Mas os compromissos de um primeiro-ministro não podem ser questionados por nenhum subordinado. É certo que a obra está contemplada no documento de infra-estruturas do Governo, que situa o início das obras no início do ano 2016, mas os documentos políticos valem para o que valem e nestes anos temos visto muitos compromissos aprovados por todos os governos que nunca se concretizaram. Já só levamos a sério quando se aprova o orçamento e se abre o concurso.
Estou convencido de que quem se viu na desagradável obrigação de impor duríssimas medidas sociais para cumprir os compromissos de Portugal e emergir do resgate com toda a dignidade que um país tem não hesitará certamente em instruir os seus subordinados no sentido de honrar o seu próprio compromisso, sejam membros do Governo ou presidentes de empresas públicas. Senhor primeiro-ministro, lembre o que os afegãos diziam aos ingleses: “Vocês têm o relógio, mas nós temos o tempo.” Sempre é melhor partilhar ambos do que os enfrentar.
Secretário-geral da Rede Ibérica de Entidades Transfronteiriças