Staier: mestre da delicadeza e invenção
O repertório que Andreas Staier programou para o concerto do passado sábado com a Orquestra Barroca da Casa da Música é, só por si, uma manifestação de (bom) gosto organizado.
Orquestra Barroca Casa da Música
Andreas Staier, cravo e direcção
Obras de J. S. Bach, G. A. Benda e G. P. Telemann
Porto, Casa da Música – Sala Suggia
31 de Maio, 18h00
Sala 3/4
4,5 estrelas
Andreas Staier é um habitué da Casa da Música. Não foi, portanto, surpresa a sua infinita capacidade inventiva, embora sejam sempre surpreendentes os momentos em que a música de facto acontece. O repertório que programou para o concerto do passado sábado com a Orquestra Barroca da Casa da Música (OBCdM) é, só por si, uma manifestação de (bom) gosto organizado.
Ainda a delinear o espaço do concerto, é com a conhecidíssima Suite nº 1 em Dó maior para orquestra BWV 1066, de J. S. Bach, que a OBCdM se predispõe para a partilha musical, em que as duas Gavottes se apresentaram francamente denunciadoras da varietas que viria a verificar-se a nível interpretativo no decurso do espectáculo.
A primeira mudança de palco a que não sucedeu nova afinação da orquestra (e do cravo que permaneceu em palco) foi provavelmente a responsável pelo pequeno senão do evento: uma afinação pouco firme no Concerto em Fá menor para cravo e cordas de Georg Anton Benda (1722-1795) que, mesmo assim, não impediu que se fruísse a prolífica minudência de uma singular leitura da partitura. A cadência do primeiro andamento foi plena de surpresa e imaginação. O segundo andamento prosseguiu na mesma linha, contrastando porém em andamento e beneficiando da delicadeza com que Staier geriu os tempi.
Do outro lado do intervalo espreitava outro concerto para cravo e cordas, na mesma tonalidade, mas desta vez de J. S. Bach (BWV 1056) e em perfeita afinação. Mais um belíssimo andamento lento, com a graciosidade de síncronos pizzicati em plena harmonia com o cravo e as notas ritenutas com que Staier deliciosamente finalizou algumas frases. O último andamento sucedeu-se enérgico e com a magia de uma orquestra una num diálogo de extrema cumplicidade com o solista que mascarou de forma quase absoluta ocasionais ambiguidades na afinação.
Completando a simetria em torno do intervalo, no final do programa a orquestra voltava a reunir-se em tutti com as madeiras e o segundo cravo para a terceira parte da Tafelmusik (suite em si bemol maior) de G. P. Telemann. Na abertura, cativou o contraste dinâmico muito natural e equilibrado; na Bergerie, a elegância do cravo; no terceiro andamento, a vivacidade do diálogo entre violinos, perfeitamente pontuado pelas madeiras, no mais convincente entendimento. Na Flaterie, confirmou-se a genialidade de um músico iluminado na refinada graciosidade com que Staier conduziu a música. A suite terminaria em êxtase com os violinos a brilhar de forma alternada com os impetuosos violoncelos, os sopros, as restantes cordas, enfim, toda uma orquestra que rejubilava no prazer de fazer música a um nível criativo raramente atingido pela OBCdM.