Bicefalia na liderança implica cumplicidade

Num auditório que lhe é mais favorável, Seguro jogou um trunfo que veio baralhar o jogo.

Foto
Bruno Simões Castanheira

A semana política no Largo do Rato foi evoluindo num crescendo que, já se sabia, teria o seu ponto alto no 4.º piso do Hotel Golf Mar, no Vimeiro, onde os socialistas se reuniram em comissão nacional. A agenda seria analisar os resultados das eleições europeias e, como tal, a proposta de António Costa para discutir a convocação de um congresso e de eleições directas foi chumbada. A partir daqui os socialistas enredaram-se num emaranhado burocrático de regulamentos, de questões processuais e estatutárias. António Costa viu-se obrigado a ter de reunir as assinaturas necessárias para forçar a convocação de uma nova reunião da comissão nacional dentro de duas semanas para discutir a marcação de um congresso extraordinário.

Eis que entretanto António José Seguro surpreende tudo e todos, num movimento que alguns apelidaram de fuga para a frente. O secretário-geral do partido propôs não eleições directas para escolher o líder do PS, mas sim eleições primárias para escolher o candidato do PS a primeiro-ministro. Seguro reúne a comissão política na próxima semana para debater o assunto e o mais provável é que daqui a 15 dias haja uma reunião da comissão nacional em que vá a votos uma proposta para directas e outra para primárias. Os próximos dias serão, já se percebeu, de arregimentar as tropas e contar espingardas.

A proposta de Seguro abre um cenário inédito no PS que poderá culminar num partido cujo líder não é o candidato a primeiro-ministro. Daqui não vem mal ao mundo, muito pelo contrário. As primárias são um sistema que vigora, por exemplo, nos Estados Unidos ou no PS francês e que é interpretado por muitos como um sinal de abertura dos partidos à sociedade, já que, além dos militantes, os simpatizantes também são chamados a votar.

O problema é que para este sistema funcionar tem de haver uma sintonia e cumplicidade total entre o líder do partido e o candidato às legislativas, caso não seja a mesma pessoa a acumular os dois cargos. Se, por exemplo, António Costa ganhar as primárias e António José Seguro as directas, ou vice-versa, o PS pode cair numa situação de constante guerrilha interna, dada a radicalização de posições entre ambos. No Vimeiro António Costa acusou Seguro de se esconder atrás dos estatutos e Seguro retorquiu: “Isto é uma irresponsabilidade causada por ti."

A ruptura entre Costa e Seguro já não vem de hoje. Vem desde os tempos da JS, como conta a edição deste domingo da revista 2. E se a proposta de Seguro vingar, e se estes dois dirigentes dividirem entre si as cadeiras do Largo do Rato e de São Bento, o PS poderá cair numa situação semelhante à do PSOE de Espanha em 1998 quando, no seguimento de umas primárias, o catalão Josep Borrell se candidatava à presidência do governo e o basco Joaquin Almunia era secretário-geral dos socialistas. A experiência durou pouco e acabou mal. Um queixava-se do pouco empenhamento do partido, enquanto o outro esperava por uma escorregadela do primeiro. E escorregou. A bicefalia só funciona se houver cumplicidade.

Sugerir correcção
Comentar