Ministério admite alterar projecto de "lei da rolha" dos profissionais de saúde

Ordem dos Médicos fala em "revolta de indignação" e ameaça romper toda a colaboração com o Ministério da Saúde. Uma das hipóteses de protesto passa pelo regresso, temporário, às receitas médicas passadas à mão, abandonando a prescrição electrónica.

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O elevado número de atestados prescritos por alguns médicos vai ser investigado Paulo Pimenta/Arquivo

Sem querer pronunciar-se sobre “uma matéria que não é definitiva”, uma fonte do Ministério da Saúde recusou-se a comentar estas ameaças. Lembrou apenas que a proposta em causa “não está fechada”, vai ser alvo de avaliação e pode entretanto sofrer alterações. Ou seja: os pontos polémicos da proposta podem ser adaptados ou até eliminados.

A confusão instalou-se depois de o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) ter divulgado, na semana passada, o parecer sobre um projecto de despacho, do gabinete do ministro da Saúde, que institui a obrigatoriedade de códigos de ética em todas as instituições do SNS e inclui uma proposta do modelo a seguir. O CNECV validou a proposta, apesar de ter sugerido algumas alterações.

O ponto que tem estado a desencadear maior controvérsia estipula que os funcionários do SNS “devem abster-se de emitir declarações públicas, por sua iniciativa ou mediante solicitação de terceiros, nomeadamente quando possam pôr em causa a imagem [do serviço ou organismo], em especial fazendo uso dos meios de comunicação social". É o regresso da “lei da rolha”, classificaram na sexta-feira vários responsáveis da OM, que se desmultiplicaram em críticas veementes ao projecto.

Agora, o presidente do Conselho Regional do Norte da OM, Miguel Guimarães, quer que a Ordem vá mais longe e passe “às acções, porque não pode fazer só comunicados”.  Por isso, vai levar a votação, na reunião do Conselho Nacional Executivo (CNE) do próximo dia 29, uma série de propostas que implicam a suspensão de todo o tipo de colaboração com o Ministério da Saúde. Além do abandono temporário da PEM (Prescrição Electrónica de Medicamentos), vai ser posta a discussão a possibilidade de os médicos deixarem de colaborar na elaboração de Normas de Orientação Clínica e de participarem  na Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica.  “Se o ministério não corrigir a proposta, é preciso ir mais longe, pedindo aos médicos para denunciarem à OM todas as situações irregulares e falhas que detectem, que posteriormente serão divulgadas em conferências de imprensa pela Ordem”, acrescenta.

Esta posição resulta não só do projecto de código de ética, mas também da “ausência de respostas” do Ministério da Saúde a várias propostas que têm sido apresentadas pela Ordem dos Médicos para a resolução de vários problemas, explica. Um exemplo: “Já há alguns meses propusemos que a PEM, que está a funcionar com muitos problemas, fosse substituída pelo sistema anterior, mas o ministério não fez nada. Por isso vamos propor que os médicos deixem de usar a PEM durante 15 dias”.

Sem querer antecipar aquilo que vai ou não ser aprovado no próximo Conselho Nacional Executivo, mas mostrando-se aberto para todos os cenários, o bastonário José Manuel Silva acrescenta que este “regulamento de censura” para os profissionais de saúde visa apenas “preservar a imagem do ministério e esconder insuficiências e deficiências graves que actualmente existem no SNS”. "O dever de confidencialidade já existe e os médicos já estão proibidos de receber ofertas de valor superior a 25 euros, lembra o bastonário, referindo-se a outro ponto polémico da proposta, que prevê que todos os presentes sejam remetidos para a secretaria-geral do MS e depois oferecidos a instituições de solidariedade.

Sobre a possibilidade de uma nova greve dos médicos, avançada pelo Jornal de Notícias na edição de terça-feira, Miguel Guimarães lembra que esta é “uma matéria de âmbito sindical”, admitindo apenas que a hipótese tem sido "veiculada nas redes sociais".

As críticas ao projecto de despacho do ministério multiplicam-se, entretanto. A Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais contestou terça-feira o projecto de despacho, que classificou como “um verdadeiro instrumento de intromissão na vida das associações sindicais e profissionais do sector”. Também o Fórum Saúde, federação que reúne mais de 30 associações de doentes, repudiou “frontalmente” o projecto,  sublinhando em comunicado que “os doentes estão ao lado dos profissionais de saúde que os tratam e os ajudam a ultrapassar todos os infortúnios”.

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