Ordem quer saber se ministério vai recolher "galinhas, ovos e couves" dados aos médicos
Responsáveis da Ordem dos Médicos criticam proposta de novo código de ética que prevê que presentes sejam encaminhados para instituições de solidariedade.
O novo código prevê que os funcionários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) passem a encaminhar qualquer presente que recebam para a Secretaria-Geral do ministério, ofertas que depois serão doadas a instituições de solidariedade. Esta medida está prevista num projecto de despacho sobre a obrigatoriedade de códigos de ética em todas as instituições do SNS que deu entretanto origem a um parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
As notícias sobre o projecto de novo código provocaram reacções de indignação em bloco. Além do bastonário, também os responsáveis das secções regionais do Norte e do Centro da da Ordem dos Médicos contestaram o projecto com veemência. “Combater a corrupção e os conflitos de interesse e defender os direitos dos doentes não passa por montar um sistema nacional de recolha de livros, vinhos, esferográficas, presuntos, galinhas, chocolates, ovos, tomates, batatas, couves, chouriços, azeite, azeitonas, cerejas….. Ridículo, patético e esclarecedor”, classificou o Conselho Regional do Norte da OM num comunicado em que questiona a razão de ser de um “código de ética apenas para a saúde”.
Já o presidente da Secção regional do Centro da OM, Carlos Cortes, acusou o ministro da Saúde de “falta de ética”, por ter elaborado uma proposta “que diz respeito a todos os profissionais do sector sem que os mesmos tenham sido ouvidos”.
Defendendo que "o Ministério da Saúde não sabe o que é Ética”, José Manuel Silva pergunta ainda se este “código” “vai ser extensível aos partidos políticos e aos seu obscuro financiamento e claros conflitos de interesses, aos autarcas, a todo o serviço público”.
Regresso da lei da rolha
Os responsáveis da Ordem dos Médicos põem também em causa outro ponto previsto na proposta - o de que os colaboradores cumpram “sigilo absoluto” sempre que uma informação possa “afectar ou colocar em causa” o interesse da organização em que trabalham. A proposta estipula que, à excepção dos casos autorizados, “os colaboradores e demais agentes devem abster-se de emitir declarações públicas, por sua iniciativa ou mediante solicitação de terceiros, nomeadamente quando possa pôr em causa a imagem do serviço ou organismo, em especial fazendo uso dos meios da comunicação social”.
“Os Códigos de Ética não podem ser impostos de cima para baixo nem governamentalizados”, defende, a propósito, o bastonário José Manuel Silva, para quem este projecto “mistura a defesa da transparência com a lei da rolha”.
Também Carlos Cortes critica o “retomar da lei da rolha”, à semelhança da OM/Norte, que manifesta o seu “direito à indignação e revolta contra aquilo que aparenta ser mais um atentado à dignidade dos médicos e restantes profissionais do SNS”.
O ministério de Paulo Macedo já tinha limitado os bens que os médicos e organizações podiam receber por parte da indústria farmacêutica, obrigando a que a partir de determinado valor fossem declarados numa base de dados alojada no site da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).
Agora, a ideia é vedar a possibilidade de qualquer funcionário ficar com um presente, “independentemente do vínculo ou posição hierárquica” que ocupe. “Os colaboradores não podem solicitar ou aceitar, directa ou indirectamente, dádivas e gratificações, em virtude do exercício das suas funções, nos termos legalmente previstos”, lê-se no projecto, que acrescenta que “todas as ofertas de bens recebidas em virtude das funções desempenhadas devem ser registadas e entregues à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde”. O bem deverá, depois, reverter para instituições de solidariedade com o objectivo de combater a “corrupção, informalidade e posições dominantes”.