Comboio entre Porto e Vigo acumulou prejuízos de 1,2 milhões de euros em nove meses

CP e Renfe exploram um comboio deficitário por imposição governamental e estão proibidas de o rentabilizar.

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Taxa de ocupação média do comboio é de 12%. Prejuízo por cada viagem ronda os 1140 euros Nelson Garrido

Um valor que é mais adequado para um autocarro do que para um comboio, segundo defendia o Governo em 2011 quando apresentou o Plano Estratégico de Transportes (PET), que preconizava o encerramento de linhas e de serviços com procura reduzida.

Nestes nove meses, a taxa de ocupação (cada automotora tem 228 lugares) tem sido de 12%, uma fasquia que também foi utilizado no PET para justificar a redução de serviços de transportes públicos.

Será por este motivo que as empresas públicas CP e Renfe recusam divulgar informação sobre os resultados de exploração deste novo serviço, que foi inaugurado em Julho de 2013 por decisão conjunta dos governos de Portugal e Espanha, que se entusiasmaram com a criação de um comboio sem paragens entre Porto e Vigo.

As duas empresas obedeceram. E até arranjaram um nome original para o novo serviço – Celta. Mas como a linha é de via única, o comboio tem de parar várias vezes para poder cruzar com as composições que circulam em sentido contrário.

Populações e autarcas protestaram por não poder apanhar o Celta. Afinal, o comboio até pára, diariamente e durante alguns minutos, em Viana do Castelo, tanto no sentido ascendente, como descendente. Mas os passageiros não podem entrar ou sair, inibindo assim a CP de obter mais alguma receita, como sucederia se houvesse serviço comercial naquela estação. O mesmo acontece em Lousado, Darque, Caminha e Valença onde o “rápido” também pára para cruzar.

A CP só divulgou o número de passageiros transportados neste serviço, mas recusou-se a mostrar os resultados de exploração. O PÚBLICO calculou as receitas (fáceis de obter porque só há uma origem e um destino) e as duas principais componentes da despesa: o custo do combustível e a taxa de uso (portagem ferroviária) que é paga às duas empresas gestoras de infra-estruturas: a Refer, em Portugal, e Adif, em Espanha.

Os resultados - calculados por defeito porque há mais componentes da despesa que não foram tidas em conta -demonstram um prejuízo brutal no serviço. Em nove meses, a CP e a Renfe terão tido receitas na ordem dos 427 mil euros para despesas superiores a 1,7 milhões, o que significa um défice de 1,2 milhões. Seguramente que, em Julho, quando completar um ano de serviço, o Celta terá chegado aos 2 milhões de euros de prejuízos.

Este valor era, também, o prejuízo de exploração anual da linha do Tua, quando o Governo decidiu suspendê-la. Similarmente, e de acordo com o PET, as linhas do Corgo, do Tâmega e o ramal da Pampilhosa à Figueira da Foz tinham prejuízos entre 1,5 a 1,8 milhões de euros por ano quando foram encerrados.

A linha do Oeste, cujo encerramento do serviço de passageiros chegou a estar previsto entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz, gerava perdas anuais de 800 mil euros. Ou seja, um só comboio, o Celta, dá mais prejuízo do que todo o tráfego das linhas que fecharam por serem consideradas deficitárias.

Um impulso de ministros
O presidente da CP, Manuel Queiró, não esconde que a criação deste comboio obedeceu a um “impulso” do ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, e da sua homóloga espanhola, Ana Pastor. "Resulta de uma vontade dos dois governos e por isso as duas empresas [CP e Renfe] vão até onde os dois governos as deixam ir", disse o gestor, numa entrevista ao PÚBLICO a 14 de Abril, explicando que mais paragens para atrair mais passageiros, como preconizam os autarcas do Minho, "teriam de ser aprovadas pelas tutelas" dos dois países.

Autarcas minhotos e o próprio secretário-geral do Eixo Atlântico, Xoán Mao, defende que o Celta deve parar em Viana do Castelo e Barcelos e, eventualmente, em Nine para dar ligação a Braga. Uma opinião partilhada pela própria tecnoestrutura da CP que entende que esta seria uma forma de rentabilizar o comboio e atenuar os prejuízos. Actualmente a viagem sobre carris entre Porto e Vigo é feita em 2h15 e custa 14,75 euros.

Em Junho do ano passado, quando foi decidido lançar um serviço directo entre as duas cidades, a ministra de Fomento espanhola dizia que esperava uma "grande afluência" tendo em conta o preço "muito razoável" do bilhete. E Álvaro Santos Pereira afirmava que o novo comboio permitiria "dinamizar" sectores como o turismo e o comércio, além do investimento entre as duas regiões.

Como foi calculado o prejuízo
No que diz respeito à receita, embora haja preços mais baratos para crianças e seniores e a viagem de ida e volta seja inferior à soma da ida e da volta compradas separadamente, considerou-se que todos os passageiros pagaram bilhete inteiro de ida (14,75 euros).

Quanto à despesa, cada automotora da série 592 afecta a este serviço gasta 900 litros de gasóleo aos cem quilómetros. A CP está isenta do pagamento de impostos sobre os produtos petrolíferos e beneficia de descontos de quantidade negociados com a Petrogal. O custo de cada litro de gasóleo ronda os 85 cêntimos. A distância, por via-férrea, entre Campanhã e Vigo é de 170 quilómetros. Cada viagem custa, assim, 1300 euros.

Segundo os directórios de rede da Refer e do Adif, o Celta paga 207,15 euros de taxa de uso até à fronteira de Valença e 20,80 euros pelo restante trajecto, somando 227,95 euros de “portagem ferroviária” por cada viagem. Numa perspectiva conservadora, o PÚBLICO não considerou outras despesas como a manutenção das automotoras, a limpeza das carruagens e o pagamento de “prémio de condução” ao maquinista. Os prejuízos do serviço serão, por isso, ainda maiores.

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