E depois do adeus... à troika?
Pelo muito que ainda há a fazer, desenganem-se aqueles que propagandearam a libertação nacional
De 2011 a 2013 o défice orçamental foi reduzido em 6,5 mil milhões de euros (quase 5 pontos percentuais do PIB) essencialmente pelo aumento da receita fiscal (+3,8 mil milhões) e pela redução das despesas com pessoal (-3,4 mil milhões). Os desempregados, os trabalhadores em funções públicas e os reformados e pensionistas sentiram de forma muito especial os efeitos da contracção orçamental. A condução da política orçamental foi marcada pela violação de preceitos constitucionais e por vários ziguezagues que geraram incerteza acrescida que deteriorou as expectativas das famílias e das empresas. Os efeitos recessivos das medidas adoptadas foram assim amplificados, conduzindo o país à mais prolongada recessão dos últimos 70 anos e a um nível-recorde do desemprego.
A crise financeira e a degradação das condições económicas implicaram perdas que reduziram a rendibilidade dos bancos, forçando-os a diminuir o seu endividamento, a limitar a sua exposição ao risco e a reforçar os seus níveis de capital, dispondo, para o efeito, de recursos públicos. A consequente contracção do crédito também contribuiu para aquela recessão. Passados três anos, a sua solvabilidade é mais elevada, a sua capacidade de refinanciamento melhorou e começa a sentir-se maior apetência para a concessão de crédito.
Quanto às chamadas reformas estruturais, prosseguiu a flexibilização do mercado laboral e foram adoptadas várias medidas visando a redução da protecção existente em vários sectores não-transaccionáveis da economia, aumentando a sua exposição à concorrência. Energia, transportes e comunicações foram sectores especialmente visados.
Entretanto, a crise agravou-se e alastrou a outros países do euro. Temiam-se situações de default soberano e/ou saídas da área do euro. Receava-se o próprio colapso da moeda única. Perante a gravidade da situação, o Conselho Europeu decidiu a criação de uma união bancária e o BCE declarou que faria o que fosse necessário para preservar o euro. Estas iniciativas, em particular a do BCE, tornaram aqueles cenários pouco prováveis, acalmando os mercados. Mais recentemente, a instabilidade e incerteza surgidas em economias emergentes importantes motivaram o redireccionamento dos movimentos internacionais de capital, originando um significativo influxo de capital na área do euro.
Temos por isso assistido, desde o início de 2014, ao progressivo alívio das condições de financiamento, traduzido em taxas de juro mais baixas nos mercados da dívida pública e privada. Este alívio não seria possível sem o ajustamento efectuado nas finanças públicas e sem a melhoria das perspectivas de crescimento económico na área do euro, incluindo Portugal. Mas não haja dúvidas que sem aquelas iniciativas europeias e sem este redireccionamento dos movimentos de capital, não teríamos assistido a este volte-face dos mercados.
Esta é a razão principal por que considero que subsistem riscos significativos que temos que prevenir. Recordemos esses riscos.
Em primeiro lugar, a reforma do Estado está por fazer e ainda não atingimos o nível de défice próximo do equilíbrio exigido pelo Tratado Orçamental. A dívida pública subiu 35 pontos percentuais do PIB entre 2011 e 2013 e encontra-se a um nível preocupantemente elevado. São necessários saldos orçamentais primários positivos para que a dívida pública se reduza, o que só acontecerá este ano. Qualquer percalço pode originar reacções bruscas dos mercados e das condições de financiamento.
Em segundo lugar, a dívida privada, em especial a das empresas, ainda se encontra a um nível muito elevado e o malparado subiu de forma acentuada. O sobreendividamento empresarial limita a sua capacidade de investimento, prejudica a rendibilidade dos bancos e limita a sua capacidade de concessão de crédito. As empresas portuguesas suportam taxas de juro dois a três pontos percentuais acima das taxas aplicadas às suas congéneres europeias.
Em terceiro lugar, a dinâmica da exportação tem sido, há vários anos, a faceta mais positiva da nossa economia. Face à contracção do mercado interno, muitas empresas viraram-se para o mercado externo. As reformas nos mercados laboral e de bens e serviços permitiram reduzir/conter custos e favoreceram a sua competitividade. Porém, as importações começaram a crescer com a recuperação da economia, o que limita o impacto positivo da dinâmica exportadora. Este risco deve ser acautelado. O reforço dos sectores de bens transaccionáveis é por isso decisivo. Não só potencia as exportações, como amplia também a capacidade de substituição de importações, reduzindo-as. Este desafio ainda está por vencer.
Em quarto lugar, mas não menos importante, o desemprego, e em particular o de longa duração, está e estará elevado nos próximos anos e exigirá um esforço considerável em termos de políticas de emprego e de apoio social. A falta de investimento e o crescimento ainda frágil da economia não permitem ainda uma dinâmica de emprego suficientemente forte para atenuar os custos e os riscos individuais e sociais do desemprego.
Finalmente, há riscos externos que podem provocar mudanças bruscas nos mercados financeiros e afectar as condições da nossa actividade económica. Um risco óbvio é a própria volatilidade dos mercados, que gera ondas de optimismo e pessimismo que pouco têm a ver com os fundamentais das economias. A baixa inflação na área do euro representa um outro risco sério que pode comprometer o crescimento e as perspectivas de sustentabilidade da nossa dívida. A tudo isto acresce o risco de agravamento da tensão geopolítica na Ucrânia que pode provocar perturbações sérias na actividade económica europeia.
O crescimento mais forte da economia é a resposta adequada a estes desafios. O crescimento mais forte: i) criará emprego e aliviará o desemprego; ii) permitirá aos portugueses melhorar o seu nível de vida.; iii) melhorará os resultados orçamentais e fortalecerá as perspectivas de sustentabilidade da dívida; iv) permitirá consolidar a confiança na economia portuguesa, reduzir os riscos de deterioração das suas condições de financiamento e, inclusive, baixar as taxas de juro suportadas pelas nossas empresas.
A aposta no investimento, a par da aposta na exportação, é decisiva para impulsionar o crescimento, o emprego, a produtividade e a melhoria das condições de vida dos portugueses. Não há crescimento sem investimento, em especial investimento no sector dos bens transaccionáveis.
A atracção de investimento estrangeiro impõe-se nesta aposta, dadas as dificuldades de investimento das nossas empresas em virtude do seu sobreendividamento. A viragem iniciada nos mercados financeiros e na conjuntura económica sugere que este será um bom momento para captar esse investimento, não só para capitalizar e reestruturar empresas já existentes, mas, acima de tudo, para criar nova capacidade produtiva. Será decisiva uma estratégia fiscal mais ousada. Importa alargar significativamente o período de isenção fiscal na contratualização destes investimentos e há que reforçar a comparticipação dos fundos comunitários. Tudo isto num quadro de prioridades claras: criação de emprego, contributo para a exportação, melhoria tecnológica, etc. A lentidão das reformas na justiça e a quase paralisia na desburocratização e simplificação administrativa não ajudam e são, por isso, urgentes.
Pelo muito que ainda há a fazer, desenganem-se aqueles que propagandearam a libertação nacional. A vigilância da troika vai continuar e as regras de funcionamento da área do euro enquadram-nos igualmente numa vigilância apertada. A condicionalidade vai manter-se, mas deve ser a melhoria do nosso futuro colectivo a principal motivação para que haja progressos no reequilíbrio das finanças públicas e na implementação de reformas exigentes.