Regresso a Homs: “Não encontrei telhado nem paredes. Só encontrei esta chávena de café”
Alguns bairros da cidade síria de Homs estiveram dois anos cercados. Os civis que tinham fugido começam agora a regressar, à procura do que sobrou das suas vidas.
Homs era a terceira maior cidade da Síria, com perto de dois milhões de habitantes e um centro histórico vibrante e repleto de comércio, como sempre acontece nas cidades onde se cruzam vias importantes – por Homs passa a auto-estrada que liga Damasco à costa ocidental e a Alepo, principal cidade do Norte. Depois, veio a revolução e, a certa altura, os rebeldes de Homs conseguiram capturar uma série de bairros e Homs passou a ser a “capital da revolução”. Jornalistas e activistas vieram do resto da Síria e do mundo e ali morreram, debaixo de bombas. Um número impossível de determinar de sírios teve o mesmo destino.
A Cidade Velha, um conjunto de vários bairros com muitos milhares de habitantes, esteve cercada e debaixo de bombardeamentos quase durante dois anos. Agora, uma grande parte de Homs parece ter sido atingida por um terramoto devastador. Yuri Kozirev, fotógrafo da Time que acompanhou décadas de guerras por todo o mundo diz nunca ter visto um nível de destruição comparável. “É pior do que Grozni”, a capital da Tchetchénia, descreve.
O acordo assinado a semana passada foi negociado por envidados russos e iranianos, permitindo aos 2000 rebeldes que ainda resistiam sair de Homs. A maioria dos habitantes já tinha podido sair em Fevereiro. Para trás, ficaram apenas algumas dezenas de civis. A estratégia do regime foi a mesma usada noutras zonas da Síria: o cerco (acompanhado de corte de água, electricidade e telefones) acaba por trazer a fome, a fome esgota e mata.
Antoinette, de 66 anos, e o irmão, Sobei, de 61, são dois sobreviventes. Nunca saíram da sua casa, no bairro cristão da Cidade Velha. Ela perdeu 22 quilos; ele 27. Ficaram durante os raides aéreos contínuos e durante os combates entre os homens de Assad e os rebeldes. “Não queríamos ser um fardo, nem para os nossos familiares”, explica Sobei, ouvido pela AFP. Nenhum dos dois tem filhos, mas a agência de notícias assistiu às lágrimas de felicidade do momento, esta terça-feira, em que Antoinette reencontrou uma sobrinha que não via desde Junho de 2012.
Nos primeiros tempos, os irmãos sobreviveram graças à provisões que tinham reunido: farinha, arroz, tomate e salsa que plantavam em vasos. Os rebeldes do seu bairro forneciam água (enquanto rebeldes de outras áreas chegaram a tentar levar a farinha e o óleo que lhes restavam). Mas nos últimos meses, desde a saída dos civis, em Fevereiro, a escassez tornou-se quase total. “Apanhávamos ervas selvagens e misturávamo-las com farinha esmagada. Comíamos isso três vezes ao dia”, conta Antoinette, enquanto fuma um cigarro – o primeiro em mais de um ano.
É extraordinário que Antoinette e Sobei estejam vivos, mas face às imagens que chegam do centro de Homs é igualmente extraordinário que a sua casa ainda esteja quase de pé. Há ruas inteiras que desapareceram – hospitais e todos os apartamentos mais altos desabaram como se tivessem implodido enquanto o seu conteúdo se espalhava pelas ruas em redor com a força da queda –, há edifícios ainda em chamas e em todo o lado permanece um cheiro a fumo. Há gente que não consegue perceber onde era a sua própria casa. “Vim ver como estava a minha casa mas não a encontrei", diz uma mulher à AFP. "Não encontrei um telhado, não encontrei paredes. Só encontrei esta chávena de café.”
“A minha casa está completamente destruída e queimada, mas encontrei algumas fotografias”, diz Sarmad Mousa, que vivia no bairro de Hamidiyeh, à Associated Press. “Vou guardá-las como uma memória dos dias bonitos que passámos aqui.” Jaqueline Fawwas, uma mulher de 30 anos, conta à AFP que já tinha visto no Facebook que a sua casa tinha sido destruída. “Mas não queria acreditar. Queria ver com os meus olhos.”
Na antiga “capital da revolução”, onde antes havia rebeldes há agora soldados e milicianos do regime. Há gente que acusa os combatentes da oposição de ter pilhado os seus pertences e muitas pessoas que recusam falar aos jornalistas e pedem para ser deixadas em paz. E há cansaço, muito cansaço. “Penso que toda a gente está farta”, diz ao Los Angeles Times um motorista conhecido por Abu Zacarias que perdeu tudo. “Queremos que as coisas voltem a ser como eram”. Um estudante de 21 anos aproximou-se do jornalista, pedindo para não ser identificado. “Só queria poder mostrar a minha bandeira verde”, diz, referindo-se à bandeira da revolta.