O trompete de Peter Evans em diálogo com o Panteão Nacional
O trompete do americano Peter Evans vai entrar em diálogo, este domingo, com a acústica do espaço monumental do Panteão Nacional, e o mesmo acontecerá com o piano de Simon James Phillips. Evans diz que é necessário saber ouvir o espaço, para comunicar a partir dele.
“Ainda não tive oportunidade de conhecer o espaço do Panteão”, revelava-nos há três dias, “mas consta-me que a sua acústica é muito reverberante. Não quero de forma nenhuma antecipar o que vai acontecer, mas ao longo dos anos fui aprendendo que é inútil lutar contra um espaço, seja ele qual for”, diz alguém habituado a tocar em espaços onde impera alguma solenidade, como igrejas.
“É melhor ganhar consciência sobre o que é que a acústica pede e quer e manter isso em mente”, diz, ao mesmo tempo que evoca uma das obras maiores da música experimental americana (I Am Sitting In A Room de Alvin Lucier, de 1970), para concluir que é importante ter noção do poder de uma sala na relação com o som.
É isso. Seria sempre bom ouvir música especial independentemente do espaço (sê-lo-á, certamente, na 2ª feira, às 22h, na Culturgest do Porto, numa acção da produtora Filho Único), mas num local singular, como o Panteão, numa iniciativa do Teatro Maria Matos, ganha contornos de acontecimento único.
E em Lisboa, para além do trompete de Peter Evans, estará também em acção, a solo, outro músico habituado a operar com a envolvência dos espaços – o pianista Simon James Phillips, australiano a residir em Berlim, que tal como Evans faz da experimentação e da improvisação o seu lema, sendo capaz de projectar com o seu instrumento um turbilhão de notas em espiral, encadeadas de forma minuciosa, criando um clima de hipnose.
Radicado em Nova Iorque, Peter Evans, improvisador e compositor, tanto trabalha com estruturas de grupo como a solo. Partilha assiduamente o palco com várias gerações do jazz, de Evan Parker a Nate Wooley. Toca com orquestras de câmara, projectos do jazz mais livre, ou ensembles electroacústicos. É membro dos Mostly Other People Do The Killing (que já lançaram pela editora portuguesa Clean Feed o álbum The Coimbra Concert) e em simultâneo mantém vários colectivos, como o quarteto que há três anos lançou em disco a gravação do concerto dado no anfiteatro ao ar livre da Fundação Gulbenkian (Live In Lisbon), no contexto do festival Jazz em Agosto.
Nos últimos anos tem vindo a apurar a sua linguagem a solo (a sua estreia em disco deu-se precisamente, a solo, com o álbum More Is More, de 2005), atribuindo cada vez mais atenção às nuances acústicas do seu trompete e às características das salas onde vai actuando. A solo, ou em grupo, para além do jazz, ou da chamada música improvisada, também aborda a música clássica, numa conciliação de interesses só, aparentemente, díspares.
“Gosto muito de abordar e tocar músicas diferentes”, afirma, “principalmente quando sinto que posso ser eu mesmo, e quem está a tocar comigo está a fazer o mesmo, a um nível muito elevado, esforçando-se por captar novas experiências.” Mas essa demanda não tem necessariamente a ver com procura do prazer, “embora, sim, às vezes, possa ser algo muito prazenteiro”, diz.
Nos últimos anos tem sido um visitante regular de Portugal, com vários concertos efectuados e também a edição de alguns discos. O ano passado, por exemplo, apresentou-se ao vivo com o Motion Trio de Rodrigo Amado, e voltou a estar presente no festival Jazz em Agosto, tocando com duas formações. Uma atenção que, de alguma forma, o surpreende, embora não tenha propriamente uma explicação para ela. “Não sei muito bem porque é que essa proximidade se foi desenvolvendo, mas sinto-me muito grato por todas as oportunidades que me têm sido dadas por músicos, festivais e promotores fantásticos em Portugal”, esclarece.
“Não sei porque é que as pessoas parecem gostar tanto da minha música, e realmente nunca passei mais de uma semana em Portugal para poder aprofundar essa questão, descodificar a cultura, aprender a língua e poder teorizar sobre o porquê de me convidarem tanto para tocar em Portugal”, afirma ele, para concluir que “de qualquer forma não tomo isso como um dado garantido. É uma relação em construção, pela qual me sinto agradecido.”
Domingo e segunda essa relação vai conhecer novos capítulos. Se nos espectáculos em grupo, a dinâmica se joga na possibilidade de escutar os outros músicos e fazer acontecer comunicação, nos acontecimentos a solo o seu trompete parece ganhar elasticidade, como quem conta a história da sua relação com o espaço envolvente, a partir dos mais diferentes ângulos.