Vasco Graça Moura, que conheci, graças às guerras contra o Acordo Ortográfico, era um homem muito bem educado. Mas não era um hipócrita. Quando entrava na eterna e bendita briga interpartidária, entrava com toda a força das cacetadas verbais, em que as "cacetadas" faziam questão de nunca serem físicas.
Muitas pessoas espantavam-se (ou não queriam saber) ser este o mesmo homem que escrevia, traduzia e editava livros maravilhosos. Mas era essa a maravilha dele: era convencido bastante para não querer saber da "imagem", essa palavra estúpida que substitui a igualmente estúpida "opinião pública" ou a mais foneticamente satisfatória "reputação".
Vasco Graça Moura era, com razão, um intelectual satisfeito. A paixão dele pelo PSD (isto é, a opinião dele segundo a qual este partido seria o menos mau para Portugal) era o resultado de um exercício de inteligência e de reflexão cultural.
Foi uma pessoa inteira que morreu. É essa a maior pena. Todos os trabalhos dele beneficiam quem sobreviveu. A pena é ele não ter vivido, lido, escrito e agido mais uns anos. Tanto ele como nós teríamos ganho muito com isso.
Foi interrompido e ele, morrendo, interrompeu-nos também. Hei-de ter as obras completas dele na minha casa, com cada livro lido, anotado e guardado com a saudade dele que só agora, dolorosamente, descubro.
Haja mais como ele – dizemos nós, depois de ele ter morrido, sabendo que não vai acontecer tão cedo. E muito menos tão tarde.
Que tristeza.