Os recados da Igreja para a troika
Hierarquia da Igreja Católica olha para o final do resgate com esperança. E críticas.
Para os cristãos, a Páscoa — que etimologicamente, e nas palavras do teólogo Anselmo Borges, quer dizer “libertação, passagem da opressão à liberdade” — é o ponto alto de uma mensagem de esperança. E foi neste contexto que o PÚBLICO foi ouvir e saber o que pensa a hierarquia da Igreja Católica sobre o final do programa de assistência que tanto sofrimento e privações têm imposto aos portugueses.
Questionado se o fim da troika marcará uma nova fase, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, tem uma frase esclarecedora: “A esperança com que saímos do programa de assistência sobrevém da nossa capacidade de resistir e inovar, apesar de tudo — apesar de termos assistido, com escassa informação e esclarecimento, à actuação de instâncias internacionais que nos reconheceram menos do que deviam, sobretudo aos mais pobres e frágeis.”
Na mesma linha, o novo bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, diz que o Estado e os governantes “têm deveres a cumprir em várias frentes de missão, bem mais delicados e complexos nestes tempos de particular dificuldade, sobretudo para os mais pobres”. E acrescenta: “Urge dizer com clareza os sacrifícios que a todos pedem e as razões e critérios com que o fazem.”
Na sociedade portuguesa, e mesmo dentro da própria Igreja, é mais ou menos consensual o reconhecimento da necessidade de o país atravessar um processo de ajustamento, tais foram os excessos cometidos no passado. E nem o patriarca de Lisboa, nem o bispo do Porto põem em causa a necessidade do ajustamento. Preferem dar ênfase a uma questão aparentemente mais fácil de resolver, mas que tem sido tratada de uma forma displicente, quer pelo poder político, quer pelos representantes da troika: a forma como a mensagem é transmitida.
Não basta ter uma folha de Excel onde as contas batam certo. É necessário explicar o porquê de tantos sacrifícios e saber por que é que estes se dirigem mais a uns do que a outros. E, feito o sacrifício, é também necessário partilhar os resultados com quem se viu privado de um nível de vida a que estava habituado, ou porque caiu no desemprego, ou porque lhe foi retirado rendimento. Deixar a austeridade nas mãos de tecnocratas, por vezes com pouca ou nenhuma sensibilidade social para a explicar, é estar a criar uma economia injusta, “uma economia que mata”, como certa vez disse o Papa Francisco.
Quando há pouco tempo o secretário de Estado das Finanças irlandês esteve em Portugal, disse: “O sucesso da Irlanda resulta de termos assumido o programa da troika como nosso.” Algo que os portugueses nunca fizeram. Para nós a austeridade sempre foi um corpo estranho, uma prótese que nos foi imposta, porque quem a desenhou nunca teve a preocupação de a explicar e de procurar um consenso mínimo na sociedade para a aplicar. Resta-nos, como diz o patriarca de Lisboa, a nossa capacidade de resistir.