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Entre a pose e a presa, entre o vinho e o sangue
Caça Grossa é o resultado de meses de trabalho no Alentejo. O fotojornalista António Pedrosa acaba de apresentar um livro e uma exposição em Mora onde as imagens são muito mais do que presas.
A bolsa do Prémio de Fotojornalismo Estação Imagem/Mora, no valor de 4000 mil euros, é uma iniciativa que dá aos fotógrafos a possibilidade de realizarem um ensaio com conta, peso e medida. E tempo. Ou seja, coisa muito rara (única?) em Portugal. António Pedrosa, vencedor da bolsa do ano passado (a quarta, depois de João Pina, Paulo Alegria e Nelson d’Aires) agarrou esta oportunidade com o projecto Caça Grossa, uma incursão pelo mundo da caça de animais de médio e grande porte na região do Alentejo, aquela que apresenta maior variedade cinegética. Durante 2013 (e início de 2014), o fotojornalista, que também já venceu o grande prémio Estação Imagem Mora com a reportagem Iraquianos (sobre uma comunidade cigana do Bairro do Iraque, na vila transmontana de Carrazeda de Ansiães), integrou-se em associações na expectativa de “documentar os diversos tipos de caça em Portugal” e conhecer a maneira como as várias épocas se dividem durante o ano. O objectivo passou também por tentar perceber quem tem acesso a esta actividade, e saber se hoje está reservada a quem tem mais recursos para pagar o acesso a propriedades privadas, cujas diárias podem oscilar entre os 250 e os 5000 euros.
Quando partiu para o terreno, António Pedrosa levava da caça apenas o imaginário iconográfico, sobretudo aquele que está ligado à fotografia. Dentro desta, a imagem que mais o perseguiu foi captada por J. A. da Cunha Moraes (1855-1933). É uma fotografia que mostra o resultado de uma caça ao hipopótamo no Rio Zaire, em Angola, e foi publicada em 1882 no álbum Africa Occidental. Como um troféu, o animal é apresentado à frente dos caçadores brancos, ladeados por ajudantes da tribo local. Tudo nela é “pose e presa”, um mundo já muito distante, que serviu a Pedrosa como ponto de partida na busca dos “grandes caçadores contemporâneos”. Mas apenas isso. Porque ao longo de Caça Grossa, captado em diferentes formatos e suportes, percebe-se que o fotógrafo não se contentou com as imagens contemplativas que, decerto, se lhe ofereceram ao olhar. Calçou as botas de borracha e meteu-se na lama. Durante meses, fotografou em concelhos alentejanos que se estendem de Mora a Mértola. Participou em montarias, ao lado de “caçadores ricos e remediados”, entre os que procuram troféus e os que estão mais interessados na carne. Conheceu quem vive da caça e quem a procura como um passatempo de fim-de-semana. Procurou a pose e a presa, mas não se deixou enredar por nenhuma delas.
Quem olha para as imagens deste trabalho, que pode ser visto em Mora até 4 de Maio (segue depois para o Centro Português de Fotografia, no Porto), percebe como o fotógrafo conseguiu entrar nos rituais, e estar nos momentos de máxima concentração, o disparo, nos de maior dramatismo, a perseguição e morte, e nos de relaxe e descontracção. “Acompanhei os diversos tempos de uma caçada, entre a pose e a presa, o vinho e o sangue, o estampido dos tiros e o murmúrio dos campos”, escreve o fotógrafo, que, afinal, também foi um caçador.