Células estaminais clonadas a partir de células humanas adultas
Foi dado mais um passo na criação de células estaminais embrionárias, capazes de originar todos os tecidos do organismo, a partir das células de uma pessoa.
Tecnicamente designada por “transferência nuclear de células somáticas”, a clonagem terapêutica consiste em obter células estaminais cujo ADN é idêntico ao das pessoas em causa, com vista ao tratamento personalizado de doenças. Mas a transferência nuclear de células somáticas também constitui a primeira etapa da chamada clonagem reprodutiva, ou seja, da produção do “duplicado” de uma pessoa. É por isso que, desde 1997, ano em que foi anunciada a clonagem da ovelha Dolly através desta técnica, ela tem gerado bastante controvérsia.
Em 2005, as Nações Unidas apelaram aos países para banir a técnica e actualmente, os EUA proíbem o uso de dinheiros públicos quer para a clonagem reprodutiva, quer para a clonagem terapêutica. O novo estudo foi financiado por uma fundação e pelo governo sul-coreano.
Se os resultados forem confirmados por outros laboratórios, poderia tratar-se de um avanço importante, na medida em que muitas doenças, tais como a insuficiência cardíaca ou a perda de visão, que afectam sobretudo os adultos, poderiam vir um dia a ser tratadas com células estaminais. Para isso, seria preciso criar células estaminais específicas de cada doente a partir de células mais velhas e não de células de bebé ou fetais (como já foi feito).
Isto parece agora tornar-se possível, embora ainda esteja longe de ser fácil de pôr em prática: num total de 36 tentativas, os cientistas que agora anunciaram os seus resultados conseguiram criar apenas uma vez células estaminais para cada um dos dois dadores. E nem todos os especialistas têm a mesma opinião sobre a importância do estudo, que foi liderado por Young Gie Chung, do Instituto de Investigação em Células Estaminas da empresa californiana Sistemas de Saúde CHA.
Por exemplo, George Daley, especialista em células estaminais da Universidade Harvard, considera tratar-se de um “avanço incremental” e “não de algo espectacular”. Shoukhrat Mitalipov, biólogo da reprodução da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, que desenvolveu a técnica agora adaptada pela equipa da CHA, mostrou-se mais optimista. “Este avanço indica que a [transferência nuclear] tem a capacidade de funcionar em pessoas de todas as idades”, disse em entrevista. Há um ano, Mitalipov liderou a equipa que utilizou a transferência nuclear de ADN de bebés e de fetos para produzir células estaminais – uma estreia nos seres humanos.
Choques eléctricos
Na clonagem terapêutica, os cientistas usam choques eléctricos para fundir uma célula adulta, habitualmente da pele, com um ovócito cujo próprio ADN foi removido. O ovo divide-se e, em cinco a seis dias, dá origem a um embrião com a forma de uma esfera oca. As células internas desse embrião são células estaminais “pluripotentes”, que têm o potencial de se transformar em qualquer tipo de célula humana.
Se o embrião fosse implantado num útero, poderia dar origem a um clone do dador de ADN, tal como no caso da ovelha Dolly. “Na ausência de regulamentação, estes embriões poderiam também ser usados para a clonagem reprodutiva humana, embora isso fosse pouco seguro e cabalmente antiético”, diz Robert Lanza, director científico da empresa de biotecnologia Advanced Cell Technology (do Massachusetts) e co-autor do novo estudo. Mas aqui, o objectivo é cultivar as células estaminais embrionárias em pratinhos de laboratório para as obrigar a se diferenciarem em células especializadas que permitam tratar doenças do dador das células adultas – tais como a doença de Parkinson, doenças cardíacas, esclerose múltipla ou diabetes juvenil. Como estas células são geneticamente idênticas às do dador, não serão rejeitadas pelo seu sistema imunitário.
Contudo, apesar de mais de 15 anos de tentativas, o único sucesso até a data de produção de células embrionárias humanas através deste tipo de clonagem foi há apenas um ano, quando Mitalipov conseguiu fundir células de bebés e de fetos com ovócitos doados (cujo ADN tinha sido removido) e gerar embriões humanos com cerca de 150 células. Uma das chaves deste sucesso foi os cientistas terem deixado os ovócitos manipulados em repouso durante 30 minutos antes de lhes aplicar a descarga eléctrica para os incitar a dividir-se.
Chung e os seus colegas esperaram duas horas em vez de meia hora, algo que Lanza acredita ter sido crucial para o actual sucesso da sua equipa: “Isso dá tempo para que se opere a gigantesca reprogramação genética necessária" para que o ADN adulto regresse ao passado e consiga orquestrar o desenvolvimento de um embrião, disse ainda Lanza.
E a estratégia resultou: os cientistas geraram dois embriões saudáveis, cada um a partir de um dos dadores, cujas idades eram respectivamente de 35 e 75 anos.
Se cada linhagem de células estaminais tiver de ser criada de raiz para cada doente, a baixa taxa de sucesso e os altos custos expectáveis significam que “apenas alguns homens velhos e ricos o poderão fazer”, acrescenta Lanza. Um dos grandes obstáculos à produção por esta via de culturas de células estaminais específicas do doente para dezenas de milhões de pessoas, é que poucas mulheres estão dispostas a doar os seus ovócitos, um processo que é por vezes doloroso.
Mas poderá não ser necessário fazer uma linhagem de células estaminais única para cada doente. Muitas pessoas possuem sistemas imunitários semelhantes do ponto de vista genético, diz Lanza. E portanto, segundo ele, apenas “100 linhagens de células estaminais embrionárias permitiriam gerar tecidos perfeitamente compatíveis com mais de metade da população” dos EUA.