Como das borras de café se fabricam tijolos mais leves e que isolam melhor o calor
Equipa portuguesa testou as propriedades de tijolos fabricados com borras de café. Trabalho faz parte de uma investigação para reutilizar materiais que vão para o lixo na produção de tijolos.
“Começámos por incorporar vários resíduos [na produção de tijolos] vindos de diferentes tipos de indústria sem nenhum aproveitamento e considerados lixo”, diz ao PÚBLICO Carlos Galhano, engenheiro-geólogo e professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia, e um dos autores do artigo que descreve esta novidade, na revista Advances in Applied Ceramics. “A ideia não era só a do aproveitamento dos resíduos, mas pensar usar um resíduo que pudesse beneficiar a cerâmica. Um dia, surgiu a ideia do café”, explica o investigador.
Uma qualidade das borras de café é que são formadas por partículas com um tamanho arredondado e dimensões homogéneas, ao contrário de outros materiais orgânicos que têm partículas com tamanhos heterogéneos. Desta forma, qualquer que seja a influência das partículas de café nas características físicas do tijolo, ela será constante em todo o material.
A equipa autora do artigo, constituída ainda por Bruno Fonseca, Andreia Vilão e Joaquim Simões, procurava um tijolo capaz de isolar melhor o calor. “A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que os edifícios são responsáveis pelo consumo de 30 a 40% da energia do mundo”, lê-se no artigo. A AIE nasceu em reacção à crise do petróleo de 1973 e pretende “assegurar energia limpa, segura e de confiança” aos seus 28 países-membros, lê-se no site. Portugal faz parte desse grupo de países. “Mais de 50% da energia [consumida pelos edifícios] é usada para controlar o ambiente interior das casas”, diz ainda o artigo.
Os investigadores foram então testar as propriedades de provetos de borras de café – o nome dos tijolos-protótipo produzido no laboratório, que têm apenas cerca de dez centímetros de comprimento. Para procurarem o melhor tijolo, testaram provetos com 5, 10, 15 e 20% de borras de café, e compararam com um proveto constituído só por argila.
Além disso, cozeram estes provetos a diferentes temperaturas entre os 900 e os 1100 graus Celsius. Normalmente, são utilizadas temperaturas mais baixas para produzir material menos rijo como os tijolos. As temperaturas de cozedura mais altas servem para materiais que têm de ser mais rijo, como as telhas.
Verificou-se que os provetos produzidos com uma concentração de borras de café entre os 10 e 15% e cozidos entre os 900 e os 1050 graus são “uma gama muito boa”, diz Carlos Galhano, assegurando que os tijolos-protótipo “não cheiram a café”.
Estes tijolos aumentam o isolamento térmico e sonoro entre os 15 e os 20%, além de serem 50% mais leves do que os tijolos normais. Mas estas qualidades têm um custo: os tijolos absorvem mais água do que os tijolos normais e são menos resistentes. Por isso, Carlos Galhano defende que não serão bons para paredes exteriores. “Poderão ser usados em paredes interiores”, diz o investigador. Ou então como camada interna das paredes exteriores, para aproveitar as propriedades de isolamento térmico. O material pode ainda substituir as paredes provisórias, feitas de gesso, dos escritórios e dos armazéns.
Apesar de este material ser menos resistente, Carlos Galhano explica que está dentro dos valores aceitáveis das normas europeias. Estas normas determinam qual a resistência mínima dos materiais de construção a factores como frio, calor, gelo degelo, humidade de Inverno ou a poluição atmosférica. Há ainda outros testes menos imediatos, mas que também estão contemplados nas normas, como a resistência aos detergentes usados para limpar o chão.
Tijolos gourmet
Carlos Galhano explica que as características específicas deste tijolo, como o seu baixo peso, devem-se às partículas das borras de café que, quando são cozidas, ficam muito mais leves do que as partículas de argila. Além disso, a cozedura cria poros dentro do tijolo. “Esses poros fazem com que o proveto se torne mais leve.”
Para já, ainda não há nenhuma empresa de construção que vá aproveitar esta ideia. “Existe um grupo ibérico interessado no tijolo”, refere o investigador, mas nada está confirmado. Por um lado, o sector de construção civil está em contracção, por outro, testar um protótipo custa dinheiro e é necessário parar a produção normal para iniciar uma nova, explica o engenheiro-geólogo.
“Este tijolo não seria brutalmente comercializado”, defende Carlos Galhano. “Seria um produto gourmet produzido por encomenda para determinadas obras. Nunca teria o objectivo de reduzir a exploração de argila.”
A equipa já fez também experiências com o pó da lama para produzir tijolos, um “lixo” que nasce da indústria de rochas ornamentais. E está neste momento a estudar a produção de tijolos com pó de cortiça.