A Latoaria é um espaço de criação artística perto da Mouraria, em Lisboa. Ali, sete artistas independentes trabalham numa lógica que, nalguns aspectos, lembra a dos espaços de “coworking”. A ocupação da antiga latoaria artesanal, no centro da cidade, surgiu da necessidade de criar uma rotina, de tornar o trabalho nas artes mais metódico.
“Um advogado vai para o seu local de trabalho. Um jornalista vai para o seu local de trabalho. O trabalho artístico também precisa de um espaço, não se faz no ar. Vamos tendo os espaços de apresentação… mas onde fazemos o resto do trabalho?”, pergunta a actriz Vânia Rodrigues, uma das artistas que ocupam há quase um ano a Latoaria.
Quando em Abril de 2013 entraram pela primeira vez numa velha fábrica de aspecto rígido e tosco — então conhecida como uma das últimas latoarias a encerrar na zona —, os sete artistas depararam-se com os gritantes sinais do passado, que confirmavam o abandono daquele espaço. As máquinas rústicas e enferrujadas, ou os calendários nas paredes, que datavam de 2001. O local tinha uma atmosfera especial e os artistas quiseram ficar com ele.
A degradação e revitalização do espaço foi a aposta dos primeiros tempos “Depois de assinarmos o contrato, estivemos quatro meses a fazer obras. Foram autênticos cursos intensivos de serralheiro, carpinteiro e pintor. No entanto, o processo de transformarmos isto num local de trabalho mais confortável não tem fim”, relembra Alexandre Pieroni Calado, que trabalha sobretudo como actor.
O apoio de “mecenas informais”
É exactamente nesse processo que têm ajudado os “mecenas informais”, assim os chama Ana Ribeiro, actriz que se tem aventurado como encenadora nos últimos três anos. Os materiais de isolamento acústico e térmico, a instalação eléctrica e a própria redução do valor da renda nos dois primeiros anos (por parte de um senhorio entusiasmado com o surgimento de um espaço cultural naquela zona) são alguns dos apoios indirectos que tiveram. Apoios que consideram “cruciais”.
Embora a ocupação de espaços com estas características seja comum em companhias de teatro, não é comum este tipo de ocupação agregar sete artistas completamente independentes e que desenvolvem trabalhos individuais variados (desde a escrita, artes visuais, música e sonoplastia, até ao vídeo). As raízes comuns não deixam de ser o teatro, mas as marcas das diferentes personalidades e vontades fazem questão de traçar distinguem este projecto de protótipos anteriores.
Ana Ribeiro complementa: “Andávamos todos à procura de um espaço e houve a possibilidade de juntar pessoas muito diferentes, que não tinham grandes laços de intimidade entre si, que têm trabalhos diferente e estão em sítios diferentes do seu percurso ou ambições, e que aqui conseguem congregar-se”.
Teatro, cinema e conferências
Para Alexandre, este projecto “sem figura tutelar” veio alimentar “uma rede de conhecimentos” criada por trabalhos distintos e que levam o nome da Latoaria “de um público para o outro”.
Numa fase ainda embrionária de crescimento, a dinamização deste espaço tem-se mostrado polivalente e já acontece desde a apresentação de espectáculos informais, até à organização de ciclos de conferência, ciclos de cinema e até gravações de curtas-metragens.
Tiago Vieira, também actor, destaca a curiosidade com que vai acompanhando os trabalhos dos seus “colegas de casa”: “Sinto-me como um espectador ao ver o trabalho deles. Nunca sei o que venho ver e isso é que é rico, e interessante”. José Miguel Vitorino, actor e escritor de teatro, confessa estar “desejoso” para ver como o Tiago vai usar o espaço, ou como a Ana vai usar o som no próximo projecto.
Patrícia Couveiro era publicitária e quando surgiu a Latoaria com ela veio “um momento de ruptura”. Num momento mais introspectivo do trabalho que vai apresentar em Junho, aproveita as divisões da velha fábrica para “ler, escrever, ver filmes e pensar”.
Os espaços comunitários como a Latoaria fazem sentido para Tiago essencialmente pela liberdade de criação e experimentação. “Posso ter um sítio onde faço o que quero, sem ter de me explicar conceptualmente aos outros”, diz. Uma opinião partilhada por mais elementos do grupo, já que é uma forma de fugir “ao peso que os programadores têm no monopólio do que é válido e do que é não válido”, explica Ana Ribeiro.