Temos um problema com linces

A política de reprodução em cativeiro é um êxito, mas as condições de libertação na natureza são deploráveis.

As políticas de conservação in situ são, de maneira geral, mais eficazes e mais baratas, portanto ninguém defende acções de conservação ex situ como primeira opção.

Quando o estado das populações é desesperado e os processos naturais de recuperação não estão garantidos, é normal recorrer-se a acções de manutenção artificial, enquanto se restauram as condições de sobrevivência na natureza. O objectivo é libertar indivíduos na natureza, a partir das populações que foram mantidas artificialmente, quando as condições de sobrevivência voltarem a ser favoráveis.

Quando comecei a interessar-me pela conservação do lince, tinha uma posição claramente desfavorável à reprodução em cativeiro. Não porque não fosse eventualmente útil, mas porque os recursos que seria preciso dedicar a essa tarefa poderiam ser aplicados mais eficazmente no estabelecimento de corredores de dispersão da população de linces que subsistia na Andaluzia.

A minha opinião foi evoluindo à medida que fui dando mais importância ao coelho como factor determinante da evolução da população de linces, e à medida que o estado de conservação do lince se foi tornando mais desesperado, em consequência da rarefacção de coelho provocada pelas doenças.

Passei, por isso, a defender que os investimentos na conservação do lince deveriam concentrar-se na resolução dos problemas da população de coelhos e, como seguro para o caso de alguma coisa correr mal, manter uma população de linces em cativeiro que permitisse a reintrodução ou o reforço de populações, se necessário.

Por volta do ano 2000, tornou-se evidente que a população de coelhos estava a recuperar da razia provocada pelas doenças dos anos 80 e, consequentemente, a população de linces tinha iniciado uma recuperação com crescimentos populacionais na ordem dos 10% ao ano.

Por essa razão, discordei do desperdício de recursos em pesados programas de recuperação em cativeiro de linces, cuja utilidade é discutível, e que consomem recursos que fazem falta a outros problemas bem mais graves, mas menos mediáticos, de conservação.

Por volta de 2012/2013, uma nova doença se declarou no coelho, fazendo desaparecer o coelho dos nossos campos. Desde os anos 50 (não sabemos o que se passou antes), a dinâmica da população de coelhos tem sido uma quebra repentina e brutal de efectivos a cada 30 anos, por via de doenças novas, seguida de lentas recuperações cuja velocidade dependerá: 1) das características da doença; 2) da informação genética presente nas populações de coelhos.

Ora, é neste contexto que o Governo vem anunciar a libertação de linces em Portugal. Porque as condições de sobrevivência na natureza são óptimas? Não, penso que não. Na verdade, com o apuro técnico e o empenho e a paixão das pessoas envolvidas, estamos a ter muito êxito na reprodução de linces em cativeiro e é preciso dar destino aos linces produzidos.

Chegámos, portanto, a uma encruzilhada: a política de reprodução em cativeiro é um êxito, mas as condições de libertação na natureza são deploráveis.

“O que fazer?”, perguntaria Lenine. Por mim, a resposta é tecnicamente simples e politicamente impossível: distribuir os linces reproduzidos em cativeiro pelos jardins zoológicos do mundo, vinculados a programas de reintrodução se tal for necessário, como um seguro de vida para as populações de linces.

Com os recursos libertados, investir seriamente na melhoria da situação das populações de coelhos no terreno para que a população de linces que existe na natureza possa recuperar naturalmente.

Resumindo: poucos linces na natureza por falta de condições de sobrevivência e muitos em cativeiro por razões políticas e de comunicação.

Uma típica situação de uso ineficiente de recursos que bem falta fazem noutros sectores da conservação.

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