Financiamento no pós-troika cria mal-estar entre Finanças e Banco de Portugal
Existe uma “relação cordial” com o BdP, garantiu um responsável das Finanças, para quem “não é justo estar a julgar a posteriori se o BdP actuou da melhor forma".
O problema de fundo é que, enquanto o país esteve intervencionado, Mario Draghi suspendeu a aplicação de uma cláusula que obriga os bancos que peçam empréstimos ao BCE a ter de apresentar como garantias dívida pública com um nível de rating acima de lixo (das quatro agências credenciadas pelo BCE, pelo menos uma tem de classificar o país como investment grade). Porém, se o Governo optar pela saída "limpa", a regra volta a aplicar-se e, neste caso, Portugal fica refém da agência canadiana DBRS, a única que tem um rating acima de lixo. E, se perder essa classificação, os bancos terão maiores dificuldades em se financiar junto do BCE.
O mal-estar sentido pela banca e pelas Finanças provocado por este cenário já foi dado a conhecer ao BdP, que é acusado de não ter acautelado essa situação. Uma fonte do sector financeiro disse que “não há um único papel a dizer que as condições de acesso da banca portuguesa ao BCE, depois da saída da troika, se alteram”. A mesma tese é defendida por um membro do Governo. Mas o BCE já veio dizer que, se Portugal deixar de estar sob a alçada de um resgate ou cautelar, então a dívida pública terá de ter um rating acima de lixo para ser aceite como colateral em Frankfurt.
Sobre esta polémica um responsável oficial das Finanças disse ao PÚBLICO: “Não comentamos, nem temos de comentar a actuação do BdP no âmbito do eurossistema." Outra fonte da instituição liderada por Maria Luís Albuquerque optou por evidenciar que existe uma “relação cordial” com o BdP e que “não é justo estar a julgar a posteriori se o BdP actuou da melhor forma” neste caso. Por seu turno, o BdP não se pronunciou.
Para os banqueiros ouvidos pelo PÚBLICO, a decisão da equipa de Mario Draghi vai atrasar e complicar a posterior resolução do acesso do sector aos mercados e torna mais difícil a colocação de dívida pública junto dos investidores. É por isso que “a medida do BCE deveria ter sido contrariada pelo BdP, pois trata-se de uma posição tomada pelo board do BCE onde Carlos Costa tem assento”. Mas também não é linear que o governador português conseguisse convencer os seus pares. Em vez disso, salientou a mesma fonte, o BdP “enviou uma carta burocrática para os serviços do BCE a tratar do tema e outra para os bancos a pedir-lhes que estimassem as consequências da decisão e refizessem os seus planos de capital”.