Há muitas formas de iniciar um espectáculo de teatro, mas só há uma de o terminar: é com a imperecível recordação do que, afinal, não é tão efémero como parece. Com aquela soma de sensações que durante algum tempo nos preencheu os sentidos e o espírito, e que não volta a acontecer, senão na nossa memória assim enriquecida para o resto das nossas vidas. No verdadeiro teatro, este é o sentimento que, no final, une os que o fizeram àqueles que a ele assistiram. É um dos milagres do teatro.
A palavra teatro deriva do grego théatron, "lugar de onde se vê". Há os que vêem e os que são vistos. Há os que ouvem e os que são ouvidos. Mas todos são feitos da mesma massa, embora de diferentes cores de pele e de cabelos, de todos os tipos de educação e de formação, com variadas experiências e objectivos na vida. E se, na cena, todo o colectivo teatral tende a ser uma comunidade homogénea, sem a qual não funciona, já o mesmo se não pode dizer dos que estão na plateia. A utopia de uma sociedade igualitária, aglutinante, sem chocantes divisões sociais, está ainda longe de vir a ser uma realidade palpável. É um futuro eternamente adiado.
Talvez que a permanência de problemas por resolver seja, neste mundo, uma das nossas razões de existir, uma espécie de motor da vida. Mas persistem teimosamente demasiados dramas concretos que afligem e castigam os seres humanos. E podia não ser, nem devia ser assim. O teatro, que é e terá de ser sempre poesia, não pode nem deve, talvez por isso mesmo, ficar indiferente. "A poesia ensina a filosofia", disse Aristóteles. O teatro ensina a poesia, a filosofia e a política, acrescentaríamos nós.
Num mundo cada vez mais superpovoado, permanecem os conflitos sociais, as lutas tribais, as religiões e as suas intolerâncias, os ódios mesquinhos, a ignorância, as guerras pelo poder, as discriminações, as economias egoístas e selvagens, a fome e toda a espécie de privações forçadas. E que ninguém venha pedir contas ao teatro e aos que o praticam, por serem culpados. Pelo contrário, o verdadeiro teatro tem sido, por várias formas, uma flecha arremessada aos poderosos, um aríete apontado aos portões da crueldade, dos gananciosos, dos desonestos e dos oportunistas. O teatro só pode ser praticado com afectividade, com a generosidade de dar e com a coragem de pugnar pelo bem. Caso contrário, renega-se, abastarda-se. Por estas razões, ele devia estar na primeira linha das preocupações dos governantes, que têm a estrita obrigação de o apoiar com justeza e visão. Mas é talvez mesmo por estas razões que eles tanto o desprezam, quando não o combatem abertamente. Promover o bem dos outros é coisa que não está normalmente nos seus planos.
O teatro é o sabonete da vida. Lava e perfuma. Os que o desprezam e combatem não podem ter as mãos limpas.
Jean-Paul Sartre disse numa entrevista: "Uma peça escapa ao seu autor desde que o público está na sala." E mais adiante: "Em teatro, as intenções não contam. O que conta é o que sai. O público escreve tanto a peça como o autor". Sófocles, Eurípedes, Gil Vicente, Lope de Vega, Shakespeare, Molière, Goldoni, Schiller, Goethe, Ibsen, Strindberg, Tchecov, Shaw, Pirandello, Brecht, Sartre, Sastre, Beckett, Miller, Albee, Fo, Osborne, Bond, entre muitos, muitos outros autores teatrais, testemunharam os problemas do seu tempo, que curiosamente eram os mesmos de hoje. Não podemos deixá-los a falar sozinhos. E esta obrigação envolve-nos a todos: dramaturgos, encenadores, artistas plásticos, músicos, actores, produtores, críticos e até o próprio público, sobretudo aquele que não vai ao teatro. É preciso fazer chegar o teatro ao maior número. E o maior número ao teatro. Só assim será possível ajudar a mudar o mundo. Para melhor, claro. "Para pior, já basta assim".
Actor e encenador