Renasce em Alcântara o primeiro de 40 murais políticos
Projecto 40 Anos 40 Murais pretende celebrar o aniversário do 25 de Abril dando nova vida a murais políticos, que muitos se habituaram a ver depois de 1974, mas que outros tantos nunca viram.
O que se pretende, explica Octávio Pinho, presidente da Associação Portuguesa de Arte Urbana, é celebrar “os 40 anos do 25 de Abril através da arte”, recriando momentos históricos da Revolução de Abril e outros acontecimentos políticos, mas com a particularidade de não se fazeren referências partidárias, como era comum nos murais políticos que explodiram em Portugal depois da Revolução dos Cravos e que agora estão praticamente extintos.
A imagem do rosto de um homem esculpido na parede (um trabalho mais antigo, da autoria do artista Alexandre Farto), que a APAUrb aproveitou para juntar um punho levantado e cerrado, não é pura coincidência. O processo artístico envolto na construção da imagem é simples: é a reprodução de uma fotografia do tempo da revolução.
A imagem salta à vista, pelo tamanho e pelo facto de concentrar duas técnicas distintas, mas também pela simbologia associada ao punho – relacionada com o comunismo e com a luta dos trabalhadores. Apesar de se puder fazer essa leitura, Octávio frisou que bandeiras e símbolos partidários não vão ser contemplados nos 40 murais que vão renascer no continente e ilhas.
Encontrámos Octávio Pinho, presidente da Associação Portuguesa de Arte Urbana, sozinho, junto ao primeiro mural, na zona de Alcântara, em Lisboa. Tentava combinar com os outros artistas, reunir esforços para mais um dia de trabalho. A semana ia a meio e ainda faltava pintar dois painéis e limar umas arestas, para que tudo esteja pronto às 15 horas de sábado, dia da inauguração.
Aos olhos do artista, a obra estava inacabada, mas quem por ali passava já reagia à “obra feita”. Lisboetas e até turistas não eram indiferentes às cores e lá viravam a cabeça para o lado da (re)criação. “Quem quer que seja que o tenha feito, é uma obra de arte”, “é verdade, lembro-me bem, foi há 40 anos, o meu filho tinha um ano de vida”, diziam umas idosas que por ali deambulavam. Outros, grupos de jovens, comentavam: “Está bonito, muito melhor que antes”.
Juntar gerações diferentes na iniciativa é também um dos grandes objectivos, algo que o responsável diz estar a correr muito bem – “Os mais velhos, que conheciam os murais, e os mais novos que não sabem o que é um mural político, porque nunca viram nenhum”, conta Octávio.
Trata-se de um projecto “sem financiamento e sem fins comerciais”, continua a explicar, adiantando que a associação propôs ao órgão máximo municipal que a iniciativa dos 40 Anos 40 Murais integrasse o programa das celebrações oficiais da Câmara, para que a iniciativa "fosse reconhecida", mas ainda não obteve resposta favorável nesse sentido.
Octávio, que foi também responsável pelas pinturas alusivas à cidade no túnel de Alcântara, queixa-se da dificuldade em falar com os organismos camarários, sublinhando que a APAUrb não tem quaisquer apoios financeiros: “O que podem fazer [a Câmara] é tentar localizar paredes disponíveis para pintar” para facilitar alguma burocracia. “Está a sair tudo do nosso bolso", destaca o presidente e artista da associação.
E acrescenta: “É curioso, toda a gente que aqui passa, pensa que o mural é financiado pela Câmara, que nos dão as tintas e nos pagam para fazer isto. Mas não.”
Uma ideia que pode saltar fronteiras
Apesar de o projecto estar ainda no início, a APAUrb já tem outras paredes para colorir em Lisboa, nomeadamente no Museu da Cidade, na zona de Alvalade e na zona das escadinhas do elevador do Lavra.
Octávio lembra que, apesar de o projecto estar a ser gerido pela associação, qualquer um pode juntar-se ao grupo, “contribuir com ideias e com tintas”, ajudando a alargar a dimensão da iniciativa 40 Anos, 40 Murais e estendê-la a outros artistas.
São já 14 as cidades que vão seguir a iniciativa, por exemplo, Aveiro, Coimbra, Ovar, Lagos, mas também nos Açores e na Madeira. E já há algum interesse estrangeiro na ideia, nomeadamente de artistas parisienses que estão em Lisboa e que, por também estarem a comemorar a revolução da liberdade, eventualmente farão o mesmo no seu país.
Octávio Pinho não põe de parte a ideia de quebrar os muros fronteiriços do país para dar continuidade ao projecto lá fora: “Estou a ver que daqui a nada estão eles lá em Paris a fazer o mesmo que nós, mas com apoios de toda a gente, e nós aqui...”, desabafou.