O recente manifesto assinado por personalidades políticas, económicas e sociais portuguesas de diversos quadrantes politico-ideológicos (às quais agora se juntaram economistas internacionais) gerou celeuma, nervosismo e inquietação.
No manifesto declara-se a insustentabilidade da actual dívida portuguesa e propõe-se a sua reestruturação para que o seu pagamento seja possível.
O facto de o manifesto ter sido assinado por personalidades respeitáveis da direita nacional foi o que mais incomodou: porque o argumento de que o documento seria uma emanação dos lunáticos irresponsáveis da esquerda tornou-se um nado morto.
Ainda assim, os que criticaram ferozmente o documento optaram por desacreditar as antes respeitáveis personalidades, dizendo que, agora, foram irresponsáveis e que, talvez, já estejam a ficar senis (insultar é sempre o reduto de quem não consegue argumentar) ou a tentar proteger interesses privados (todos tentamos proteger os nossos interesses, o que nos distingue é o que estamos dispostos a fazer aos outros para que os nossos interesses prevaleçam).
Mas o que este manifesto verdadeiramente provocou foi um clarificar de posições no que respeita a valores muito mais profundos do que uma qualquer identificação partidária: os que não estão dispostos a sacrificar a dignidade humana e os que a desprezam em nome do fanatismo intelectual ou da ganância incontrolável.
No manifesto juntam-se socialistas, sociais-democratas, esquerdistas e democratas cristãos. Juntam-se professores, investigadores, políticos e empresários. Todos entendem a crise que o país atravessa mas não estão dispostos a tudo em nome dum caminho que os credores dizem ser o correcto. Juntam a sua inteligência, o seu conhecimento, a sua experiência de vida, o seu bom senso e, acima de tudo, o respeito que têm pela dignidade humana para dizerem que Portugal está disposto a pagar a dívida mas que não está disposto a apodrecer ao tentar fazê-lo.
Do outro lado da trincheira (os tempos começam a ser de trincheiras) estão os que exibem uma postura fanática e autista, apioada numa doutrina económica em ruínas (a neoclássica neoliberal), proclamando amanhãs que cantarão daqui a 50 anos, e os que estão, já hoje, a cantar e a rir com a crise que os não afeta (e até beneficia).
(Quão fácil é estar sentado numa cadeira em frente a um computador, a olhar para um modelo, e ditar que a solução é um ajustamento que queima uma geração, não sendo aquele que dita um dos queimados…)
A verdade é que quem tem que se ajustar é o ajustamento, de forma a se respeitarem os limites morais da dignidade humana. E se a Europa não ajudar financeiramente, relaxando a restrição orçamental para que essa dignidade não seja violada, então, tudo passa a ser possível e a guerra, talvez, a mais provável solução.