Direita francesa recusa fazer frente contra Marine Le Pen

UMP (direita moderada) quer explorar bom resultado na primeira volta das municipais, enquanto os socialistas, duramente penalizados, apelam à formação de uma "frente republicana" contra a extrema-direita

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Le Pen decretou "o fim da bipolarização da vida política francesa" Benoit Tessier/Reuters

Os números finais espelham um triunfo sem contestação da oposição de direita (UMP, UDI, Modem, 46,5%) e uma derrota clara dos socialistas, no poder, e da esquerda (Socialistas, Ecologistas, Comunistas, 37,74%), enquanto a extrema-direita obteve 4,65%, um resultado apesar de tudo impressionante, uma vez que a FN foi a votos em 600 comunas, num total de 36 mil.

Se o cartão vermelho ao Presidente François Hollande e ao primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault é inequívoco, há leituras divergentes sobre o verdadeiro impacto da subida do partido de Marine Le Pen no universo das municipais, no qual a FN tem tradicionalmente uma expressão baixa.

Enquanto a esquerda apela à mobilização contra a FN e já retirou candidatos nas cidades onde a extrema-direita lidera, como Perpignan ou Saint Gilles, a direita quer potenciar o seu resultado e minimizar a relevância dos votos em Marine Le Pen. Esta, por seu turno, defende que o bipartidarismo acabou em França.

Esta triangulação de pontos de vista irá a exame dentro de uma semana, na segunda volta das eleições, quando se apurar quem sairá vencedor das triangulações entre as listas mais votadas em cada município.

Nas municipais francesas, só são eleitos à primeira volta os candidatos com mais de 50% dos votos e a extrema-direita já conseguiu uma vitória, em Hénin-Beaumont (Norte), um feudo tradicional da esquerda que desta vez deu o seu voto a Steeve Briois. Nos outros casos, a segunda volta é disputada por todas as candidaturas com mais de dez por cento dos votos expressos, na maioria dos casos três e em situações excepcionais quatro ou mesmo cinco candidaturas.

Os resultados ficam ainda marcados por uma abstenção recorde, cerca de 39%, interpretada como um voto de protesto às políticas do governo e que beneficiou a Frente Nacional.

“É o fim da bipolarização da vida política francesa, a Frente Nacional é agora uma grande força autónoma, não apenas nacional, mas local”, disse Marine Le Pen na televisão TF1, no rescaldo da noite eleitoral.  Para além da vitória em Hénin-Beaumont, uma antiga cidade industrial onde as minas e as fábricas foram fechando progressivamente, a FN ficou à frente em Tarascon, Brignoles, Fréjus, Saint Gilles, Béziers, Perpignan e Avignon. O sul volta a ser a zona onde é maior a implantação do partido. Em Avignon, Olivier Py, o director do festival de teatro, um dos mais importantes da Europa, anunciou que se recusará a organizá-lo caso a extrema-direita ganhe, isto é, se PS e UMP não se coligarem para derrotar a FN.

“Não me vejo a trabalhar com um autarca da Frente Nacional. Isso parece-me inimaginável. Não vejo como o festival podia viver, com as suas ideias de abertura e de acolhimento do outro”, afirmou Py.

A ideia do fim da bipolarização, nos termos em que esta existe desde a fundação da V República (1958), é contestada por politólogos ouvidos pela AFP. “É um facto que existem três forças, mas continua a haver bipolarização, embora com uma confusão de fronteiras entre a direita moderada e a extrema-direita”, diz Nonna Mayer, especialista na Frente Nacional do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).

Sylvain Cépon, perito na FN da Universidade de Nanterre, diz que o partido “joga por um lado a carta da radicalização para se diferenciar e a carta de desdiabolização, para captar um eleitorado que não está orientado para as suas ideias”. O especialista considera que a FN “conseguiu uma performance, mas não se pode dizer que acabou com a bipolarização”.

À esquerda, os sinais de alarme dispararam. “Medo nas cidades”, titulava a edição de ontem do diário Libération. Socialistas, ecologistas e comunistas reuniram na noite de domingo para avançarem no sentido de fazerem listas conjuntas. O caso mais evidente foi Paris, onde a favorita, Anne Hidalgo, foi batida à primeira volta pela candidata da UMP, Nathalie Kosciusco-Morizet. O acordo entre socialistas e ecologistas recoloca-a em posição para ganhar e o PS deverá conseguir preservar Paris. O problema é que, ao mesmo tempo, perdeu o país.

Os socialistas apelaram à UMP para se reunirem numa frente republicana contra a extrema-direita, semelhante à que apoiou Jacques Chirac contra o pai de Marine Le Pen, Jean-Marie Le Pen, nas eleições presidenciais de 2002, mas o presidente da UMP, Jean-François Copé, defendeu que o seu partido será fiel ao “ni-ni”. “Não aconselharemos ao voto nem na Frente Nacional nem nos socialistas [nos municípios onde não pudermos ganhar]”, disse na noite eleitoral.

Brice Hortefeux, antigo ministro de Nicolas Sarkozy e dirigente da UMP, precisou melhor a linha dominante à direita, onde algumas vozes têm defendido a “frente republicana”. Para Hortefeux, “o voto de protesto contra o governo foi na oposição e a Frente Nacional deve ser castigada, porque é uma aliada objectiva do PS e foi responsável pela eleição de Hollande e pelas políticas do governo”.

Uma sondagem do IFOP, publicada esta segunda-feira pelo site de informação Atlantico, revelava que 55% dos militantes da UMP e 62% dos militantes da FN eram favoráveis a uma aproximação entre os dois partidos nas eleições locais, um sinal de afinidade preocupante entre a direita clássica e uma extrema-direita que procura apresentar-se como frequentável e respeitável. Copé, no entanto, garante que nunca fará alianças com a FN.

Os socialistas não toleraram a mudança de posição da UMP em relação a Le Pen. Para Martine Aubry, antiga presidente do partido, “a direita banalizou as teses da Frente Nacional. E, se não aceitar uma frente republicana e não apelar ao voto nos socialistas, é porque já não tem nada a ver com o gaullismo”.

Os jogos estão em aberto até domingo. Aí se saberá do destino das cidades onde a FN parte em vantagem e se a direita moderada conseguirá cidades que estão no seu radar como Toulouse, Reims ou Estrasburgo. François Hollande ficará sob enorme pressão para remodelar o seu governo antes das europeias. E Marine Le Pen passará à segunda fase do seu plano: ganhar as europeias e exigir eleições antecipadas.

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