Sono e erro

Quando não se dorme, a probabilidade de tomar decisões acertadas diminui.

Sequelas cognitivo-comportamentais, resultantes da privação de sono, têm sido exploradas em diversos domínios e um dos aspectos mais mediatizados é o da sua influência nos acidentes de viação.

São conhecidos múltiplos factores que, no âmbito dos mecanismos de sono e vigília, interferem com capacidades necessárias para a atenção, concentração, velocidade de reacção e condução segura. Entre eles, um sono adequado e consolidado. Mas não o único.

Um dos mecanismos reguladores do sono integra a influência da luz sobre receptores sensíveis nas retinas dos olhos, que, por sua vez, comunicam com um centro cerebral especializado em orquestrar comportamentos cíclicos, com um período semelhante àquele que tem a variação entre a noite e o dia. Esta componente de regulação denomina-se circadiária porque tem cerca de um dia (pouco mais de 24h) de duração. Justifica-se, por isso, que a noite coincida com o sono da espécie humana, que, por sua vez, encontra marca genética milenar. Também por este motivo, a quantidade de acidentes é significativamente maior a horas nocturnas, aumentando o número quando existe privação de sono anterior. Mas não é só o número que aumenta. A gravidade dos acidentes causados por sonolência e por privação de sono parece ser maior do que quando os acidentes são inevitáveis noutras circunstâncias. Para além disto, o efeito potenciador do efeito da alcoolemia com a privação de sono determina um risco ainda mais elevado em determinadas condições como, por exemplo, as saídas até tarde e consumo de álcool pelos jovens universitários.

Muitos acidentes profissionais têm sido correlacionados com o acumular de fadiga ou ausência de sono adequado e as consequências não se limitam ao escopo individual. Exemplos que deixaram marca são o acidente com o petroleiro Exxon Valdez e o desastre nuclear de Chernobyl. Os lapsos e a incapacidade de decidir adequadamente são comuns em todas as variantes. Claro que existem factores independentes para o risco de acidentes e que não se relacionam com o sono ou com alterações dos ritmos biológicos, mas quando se ajustam metodologias estatísticas para prevenir a contaminação, confirma-se que estes são, com frequência, os mais relevantes.

Têm sido debatidas estratégias para minorar o impacto negativo da privação de sono, sonolência e fadiga nos acidentes e as sociedades de sono têm-se empenhado em defender normas profilácticas. Contudo, o aspecto particular do erro profissional tem sido relativamente esquecido e alguns aspectos que influenciam a saúde das populações têm sido negligenciados.

Curiosamente, o tema não é recente e na década de 70 já existiam indícios de que a vigília continuada e a falta de sono adequado influenciavam a produtividade clínica. Quando comparado com outros temas, este tem sido, no entanto, pouco explorado e talvez uma dúzia de investigações direccionadas tenham sido publicadas nos últimos 30 anos.

Em 2013, um estudo que englobou 111 profissionais de saúde cubanos detectou uma prevalência de sonolência diurna excessiva de 32%. Médicos internos e especialistas, enfermeiros e técnicos de saúde constituem, frequentemente, as amostras neste tipo de trabalhos e, apesar disto, o problema não é exclusivo da saúde. Os advogados são profissionais com problemas neste contexto e os resultados preliminares de um estudo realizado, em 2013, pela Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono (APCMS) conclui que dormem pouco (menos de 7h). Em quase 50% dos casos a sonolência diurna é um sintoma assumido e confirmado nesta classe profissional. Em comum, profissionais de saúde e advogados têm necessidade de decidir adequadamente, de realizar um julgamento critico e de conseguir respostas eficientes e eficazes. Para todas estas etapas concorrem mecanismos dependentes de uma organização que ocorre durante o sono.

Alguns trabalhos demonstraram que quando não se dorme se aprende menos e que a qualidade da aprendizagem é comprometida. As regiões do cérebro humano responsáveis pelas funções executivas e pela decisão face a experiências prévias funcionam mal quando não existem períodos de sono ou quando estes são reduzidos. Por esse motivo, a probabilidade de tomar decisões acertadas diminui.

A incapacidade de controlo sobre as emoções não permite a passividade desejável e, neste contexto, o erro, que é de facto humano mas evitável, torna-se frequentemente impossível de prevenir

Mestre em Ciências do Sono e responsável pela Área de Sono da Best Medical Opinion – Pareceres Médicos & Perícias Médicas

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