Atlas da estupidez alheia

As palavras unem territórios, cruzam oceanos e aproximam pessoas. O conhecimento, ao contrário de outras e tangíveis riquezas, é partilhado ao ser demonstrado. O FLM partilha essa riqueza

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Mark J.P./Flickr

A Literatura ensina a perguntar. E isso pode ser muito perigoso. Democratizar a literatura é um perigo para o servilismo, para a ignorância e passividade. Dar acesso à literatura é criar um adversário para quem tem essa trindade como base para o niilismo do pensamento independente.

A quem interessa adjectivar o português de estúpido, de ignorante, de inculto? Não interessa à Póvoa de Varzim, nem a Penafiel, ou a Lisboa e ao Porto. Não interessa ao Funchal.

As Correntes d' Escritas nascem na Póvoa de Varzim e chegam aos leitores. Penafiel, com a Escritaria, fomenta a leitura. As Feiras do Livro, no Porto e em Lisboa, recebem milhares de pessoas.

No Funchal, a Nova Delphi organiza a 3.ª edição do Festival Literário da Madeira (FLM). A partilha de conhecimento não interessa a quem, numa perspectiva economicista e de poder, pensa que a escassez gera valor.

A organização de eventos com estas características enfatiza a necessidade de partilha. O Festival Literário da Madeira, desde segunda-feira e até 23 de Março, recebe João Tordo (Prémio Saramago), Manuel Jorge Marmelo (Prémio Correntes d' Escritas), Paulo Scott (Prémio Machado de Assis), José Eduardo Agualusa (Prémio Independente de Ficção Estrangeira), Irene Flunser Pimentel (Prémio Pessoa), Paulo Moura (Prémio de Jornalismo – atribuído pela UE), Alexandra Lucas Coelho (Prémio APE), o multipremiado Gonçalo M. Tavares, Adriana Calcanhoto (intérprete brasileira) entre outros convidados.

Literatura contra a insularidade.

As palavras unem territórios, cruzam oceanos e aproximam pessoas. O conhecimento, ao contrário de outras e tangíveis riquezas, é partilhado ao ser demonstrado. O FLM partilha essa riqueza.

A Madeira é pólo aglutinador do prazer causado pelas palavras dos outros, pela música e poesia. Uma ilha aberta ao mundo. Só assim faz sentido. O conhecimento é uma porta para um outro, detentor de cultura e pensamento diferente. Conhecer é construir uma forma de diálogo equilibrado, sem subserviência nem arrogância, para com um outro até então incompreendido. Não é uma questão de superioridade/inferioridade; é de encontro, de deslocação, de alteridade.

Quando os autores vão ao encontro dos leitores, o livro passa a ser mais do que um mecanismo para o pensamento, uma igreja que professa a introspecção. Leitores, autores, palavras são o que sempre foram: elementos interdependentes de uma textualidade situada além da total compreensão.

As palavras que adjectivam o português de inculto são coordenadas no Atlas da Incapacidade Alheia. Denunciam a localização e a limitação de quem as profere.

O inculto é alguém a quem o conhecedor deve o seu tempo e a sua sapiência. Quem adquire o conhecimento adquire uma dívida (e não um direito) para com o “professor” e para com o “aluno” por vir. Quem sabe deve dar-se a quem não sabe. O livro é um ponto de encontro entre todos.

A Madeira é de quem deseja conhecer a terra, a gente, as palavras, os livros, os escritores.

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