Metade dos doentes que começa tratamentos renais tem mais de 65 anos
Maria de Castro Nogueira, a menos de uma semana de completar 100 anos, é uma das mais de 6500 pessoas acima dos 65 anos a fazer tratamentos como a hemodiálise.
Os dados, antecipados ao PÚBLICO, serão divulgados pela Sociedade Portuguesa de Nefrologia a propósito do Dia Mundial do Rim, que se assinala na quinta-feira, dia 13 de Março, e que neste ano é dedicado ao tema “A Doença Renal Crónica e o Envelhecimento”. Ao todo, em 2012 foram 17.641 os doentes que precisaram de tratamentos como a diálise peritoneal e a hemodiálise (duas técnicas para filtrar o sangue) ou o transplante de rim, sendo que 6535 pessoas tinham mais de 65 anos – uma barreira que antes impossibilitava em muitas situações o acesso a estas técnicas que eram mais agressivas. Agora, cerca de dois terços das pessoas fazem diálise, um terço receberam um rim e duas mil aguardam o órgão na lista de espera.
Fernanda Carvalho, médica nefrologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, explica que a doença renal não é uma patologia só do idoso, “apesar de o envelhecimento ser um factor que afecta o funcionamento de vários órgãos” e de merecer especial atenção pela prevalência da doença. A hipertensão e a diabetes são, segundo a médica, as principais causas de problemas nos rins, sendo que “a doença renal é quase sempre silenciosa e por isso as pessoas devem ir pelo menos uma vez por ano ao médico de família, onde com umas simples análises à urina e sangue se consegue fazer um diagnóstico precoce” com a possibilidade de cura antes de a patologia ser considerada crónica. Se nas crianças as causas hereditárias lideram, dos 15 anos aos 65, o estilo de vida é um dos principais problemas a combater, aponta a clínica.
800 mil doentes renais
Ainda de acordo com os números da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, a idade média dos doentes em tratamento está nos 65,9 anos. Ao todo, as estimativas apontam para que 800 mil pessoas sofram de doença renal – ainda que grande parte dos doentes não saiba, o que faz com que todos os anos surjam cerca de dois mil casos de pessoas em falência renal, quando pode ser demasiado tarde para reverter a situação. No que diz respeito a sintomas, dores de cabeça que possam apontar para alterações na tensão arterial, tendência para urinar menos de dia e mais à noite, desconforto na região lombar, pernas inchadas ou “papos” nos olhos maiores do que o normal ao acordar podem ser alguns sinais de alerta. Há também casos em que não se encontra uma explicação aparente nos outros exames e faz-se então uma biópsia ao rim. Em 2013 foram feitas 788, mais 88 do que no ano anterior, um número de Fernanda Carvalho atribui ao facto de tanto os doentes estarem mais atentos como pelos hospitais terem agora maior capacidade de resposta e mais oferta.
Quanto ao facto de haver cada vez mais pessoas acima dos 65 anos a fazerem estes tratamentos, Fernanda Carvalho considera que uma parte do crescimento é justificada pelas doenças como a hipertensão e a diabetes estarem a crescer, mas diz que a medicina também tem mudado os seus paradigmas: “Há 15 anos era impensável ter pessoas destas idades a fazer hemodiálise ou transplante. Agora se a condição física for boa, um doente chega a ser transplantado com 70 anos e a fazer diálise muito acima dessa idade, pois os métodos são menos agressivos”.
Maria de Castro Nogueira sabia que tinha hipertensão. “Tirando a tensão alta sempre fui muito saudável e mexida. Não tenho uma única dor. Há pessoas que se andam sempre a queixar mas eu não. Sou muito feliz, claro que tive os meus problemas como toda a gente, mas os males devemos empurrá-los para baixo”, defende, com mais um sorriso. A nora Edite Nogueira, a quem Maria chama filha, explica que a “bisa” da família (como é carinhosamente tratada) começou a perder o apetite e a ficar muitas vezes nauseada. Nas urgências do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, detectaram-lhe o problema e nem hesitou em arriscar os tratamentos, conjugados com uma alimentação que contraria a sua tendência para os salgados e onde controla também a ingestão de potássio. “É para estar bem no bikini”, brinca Maria Nogueira.
"Não penso muito na vida mas faço tudo para viver"
Na altura vivia sozinha, pois estando viúva há mais de 40 anos habituou-se a ser autónoma, e a principal diferença é que agora passa um mês em casa de cada um dos três filhos, visitando a sua casa e a horta sempre que pode. “A minha filha até queria que eu estivesse sempre na casa dela, mas eu não posso estar a pesar, não é?”, justifica, confessando que aproveita a sua idade para “não fazer nada”, agora que os olhos já não a deixam ler como antes e que a televisão só mostra “coisas sem interesse”.
“Não penso muito na vida mas faço tudo para viver. Encaro [a hemodiálise] como o meu trabalho e cabe-me pôr-me arranjada e pronta a tempo da ambulância me vir buscar. Custa-me mais esperar do que fazer o tratamento de quatro horas, em que às vezes nem sinto a ‘pica’”, conta, assegurando que isso não a impede de continuar a passar férias no Algarve, Vila Real ou Viseu. Para este Verão já tem presença marcada na Régua. E o “trabalho”? Com a ajuda dos filhos agiliza os contactos com os centros de diálise mais próximos dos locais para onde vai.
No dia 18 de Março, o do seu aniversário, tencionava marcar presença nos tratamentos. “Mas eles são uma jóia e insistiram para eu ficar em casa e vou antes na véspera à noite, apesar de a festa ser só no fim-de-semana”, diz, acrescentando que no evento deverão marcar presença os 12 netos e 15 bisnetos – partilhando o soprar das velas com a bisneta mais velha, que completa um quarto de século no mesmo dia.