O dia D da ciência em Portugal?

Esperamos que queiram corrigir os erros que cometeram, investindo na ciência e nos cientistas.

Este anúncio é, sem dúvida, uma reacção às muitas vozes de cientistas e outros cidadãos que se têm levantado contra a mudança da política de ciência, consubstanciada nos cortes das bolsas. E não são apenas dos bolseiros. O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, um órgão consultivo criado pelo actual Governo, mostrou-se preocupado “com a redução muito significativa do número de bolsas individuais atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no concurso de 2013”. O Conselho dos Laboratórios Associados (CLA), que reúne 26 unidades de investigação classificadas como “excelente”, em carta aberta notou que, “por decisão da FCT e do Governo, foram atribuídas apenas metade das bolsas de doutoramento habitualmente concedidas, e menos de um terço das bolsas de pós-doutoramento”.

Perante este coro unânime de protestos, a FCT e o Ministério da Educação e Ciência avançaram várias explicações. Primeiro foi a negação, fazendo referência a programas doutorais, no âmbito dos quais também são atribuídas bolsas de doutoramento. No entanto, a soma das bolsas de doutoramento individuais com as bolsas atribuídas no âmbito de programas doutorais perfaz 729 bolsas de doutoramento, ou seja, uma redução de 40% face às 1198 bolsas concedidas em 2012.

Quanto às bolsas de pós-doutoramento, com uma redução de 65% face a 2012, a alternativa avançada pelo presidente da FCT foi bizarra: deveriam ser concedidas no âmbito dos projectos de investigação financiados em curso, sem que, no entanto, o financiamento desses projectos tivesse sido reforçado para essa finalidade. Ou seja, os investigadores responsáveis tinham autorização para retirar dinheiro de outras rubricas (reagentes, equipamentos, etc.) para contratar investigadores de pós-doutoramento, que trabalhariam no laboratório talvez sem luvas ou óculos de protecção, porque o dinheiro para as comprar seria usado para pagar a sua bolsa. Proposta ainda mais absurda, se considerarmos que os projectos aprovados pela FCT em 2013 têm todos a duração máxima de um ano.

O segundo argumento avançado pela FCT e pelo MEC é o da “excelência”. Nuno Crato disse na Assembleia da República que a aposta do Governo é na ciência de “grande qualidade”. Só que é uma ideia de qualidade e excelência que ninguém compreende. No último concurso de bolsas individuais foram recusados candidatos com classificações superiores a 90%. Neste contexto, vários dos actuais cientistas portugueses que ganham milhões em concursos internacionais provavelmente não teriam sequer obtido aqui uma bolsa de doutoramento.

O terceiro argumento foi o de que os cientistas não fazem nada que se veja. Pires de Lima e Passos Coelho vieram a terreiro, o primeiro para dizer que as bolsas estão longe da “vida real” e o segundo declarando que a ciência portuguesa falha “sempre que olhamos à substância dos indicadores”. Ambos estão longe da “vida real”, pois desconhecem os dados que comprovam que a produção científica portuguesa tem acompanhado o aumento de investimento na ciência e ambos falham na "substância”, pois não apresentaram nenhuma medida concreta para aproximar a ciência das empresas, quando era sua obrigação fazê-lo.

Finalmente, o anúncio  dos milhões. São boas notícias, mas está longe de ser o Euromilhões da ciência. Há que perceber que 12 milhões são estes (se são mesmo 12 milhões adicionais, ou se é a velha táctica politiqueira de anunciar os financiamentos normais como grandes investimentos extraordinários) e como vão  ser aplicados. A FCT entretanto anunciou que parte desse dinheiro será usado para financiar 350 bolsas adicionais no âmbito do concurso de 2013. Deste modo, o número total de bolsas concedidas em 2013 será de 1312. Mesmo assim continua a verificar-se uma redução de 30% face às 1878 bolsas atribuídas em 2012. Os graves cortes continuam.

Claramente o MEC e a FCT querem virar a página negativa em que estão impressos e escrever outra página na história da ciência em Portugal. Precisam de mobilizar mais meios, talvez convencendo o ministro da Economia a pagar outras quotas. Esperamos que queiram corrigir os erros que cometeram, investindo na ciência e nos cientistas, e não tapar o sol com a peneira. Em particular, precisamos que se apercebam melhor do enorme valor da ciência para o nosso desenvolvimento. Que o dia 14 de Março seja mesmo o dia D da ciência em Portugal.

Bioquímico e divulgador de ciência

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