A vida num mosteiro budista no Japão

No Monte Koya é possível entrar no quotidiano dos monges da região. Com direito a dormida, refeições, meditação e wifi

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Entre Osaka e Koya, deixamos o alucinante ritmo da segunda maior cidade japonesa para entrar num lugar onde natureza, religião e história se conjugam de forma única. A viagem demora cerca de hora e meia, até se chegar ao teleférico do Monte Koya. Lá de cima, o autocarro leva-nos ao templo onde iremos passar os dias seguintes, Shojoshin-in.

Entre a madeira trabalhada e os telhados revirados, sobressai a calma fluida dos jardins, onde os cedros, os ciprestes, os áceres e as cerejeiras competem por ver quem chega primeiro à água dos vários lagos, única responsável por, quando agitada pelos peixinhos vermelhos, cortar o silêncio.

A oportunidade de viver a vida de um mosteiro budista é um tipo de alojamento chamado shubuku. Dormir em quartos de tatame, o confortável material dos pisos japoneses, tradicionalmente feitos de palha de arroz, tomar banho numa espécie de sento, as grandes salas japonesas dedicadas aos banhos, e comer refeições preparadas pelos monges, segundo a culinária shojin-ryori (cozinha de devoção), onde cada alimento é confecionado de acordo com métodos milenares.

Os dias começam pelas seis, hora da primeira cerimónia. Espalham-se depois entre os passadiços de madeira e os jardins, em plena contemplação. Os que não conseguem passar sem Internet podem, no entanto, ficar tranquilos: o mosteiro é todo ele wifi.

Lendas e rituais budistas

Há muito para ver, por aqui. Estamos no último repouso de Kukai, monge budista fundador da escola Shingon, introduzida no séc. IX.

Uma caminhada no cemitério de Okunoin, o maior do Japão, ficará na memória para sempre. O espaço está inserido numa floresta de cedros, arranjado através de socalcos e pequenas alamedas. As 200 mil tumbas são ornamentadas com imagens sagradas, memoriais, lenços vermelhos ou peças feitas em lã. As árvores dão às sombras danças muito próprias e à humidade a liberdade de fazer subir o musgo por entre as pedras.

Algumas curiosidades sobressaem, como uma empresa de pesticidas que ergueu um memorial em nome dos insetos que matou, já que para os budistas todos os seres vivos têm alma e poderão reencarnar entre si.

O cemitério termina no espaço de oferendas a Gokusho: água atirada contra as estátuas de Jizo, um elemento budista responsável por tomar conta das crianças, viajantes e almas dos mortos.

Noutro ritual, devemos olhar para o fundo de um poço: quem não vir o seu reflexo morrerá em menos de três anos. Mais além, pedem-nos que levantemos uma pedra enorme presa numa jaula de madeira. Só os virtuosos conseguirão.

Há depois as lendas. Como a que conta que Kukai estava na China e atirou o seu sankosho, um instrumento cerimonial, na direção do Japão. Quando regressou, procurou um local para instalar a sede da sua religião e descobriu o seu sankosho num pinheiro de Koya. Iluminado por esta descoberta, Kukai inicia ali a construção do Garan, o complexo de sete templos, local de peregrinação e culto.

Ao vir embora, passámos a acreditar noutra lenda relacionada com Kukai, que refere que este nunca morreu. Está antes em eterna meditação, no seu templo, à espera de Maitreya, o Buda do Futuro. De facto, Koya é o tipo de lugar onde dá vontade de ficar por toda a eternidade.

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